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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Geração à rasca

É, seguramente, a minha. Explico-me sumariamente: sofremos a ditadura de Salazar e de Marcelo, a guerra colonial, vivemos o Verão Quente, aturámos o Companheiro Vasco, o PREC, sobrevivemos à primeira vinda do FMI, aguentámos o cavaquismo, o guterrismo, o socratismo... 
Alegremente os políticos ganharam eleições malbaratando o dinheiro dos nossos descontos -- e hoje a nossa reforma é encarada como uma traição, uma desonestidade que os mais jovens terão de pagar... E que fazem, entrementes, os jovens oficialmente enrascados? 
Uma árvore não faz a floresta. É desonesto generalizar casos pontuais. Mas casos pontuais é o que mais vejo à minha volta! Por exemplo. Uma colega aposentou-se em meados de Dezembro. Foi colocada substituta. Após o período de interrupção lectiva, vulgo férias, de Natal, renunciou ao lugar. Os alunos eram -- são -- difíceis. Mas quem lhe terá dito que professor é profissão de vida fácil? Entretanto, outros professores desempregados foram contactados para preenchimento desse horário. Todos recusaram.
Sou eu, e outros privilegiados como eu, quem assegura as substituições. E isto para além do nosso próprio horário, sem quaisquer compensações. Eles, novos, recusam porque é difícil; nós, velhotes, temos de o fazer na ingrata posição de não-professores dessas turmas, sem tarefas, sem autoridade, e para além do nosso próprio serviço lectivo e não lectivo.
Quem está à rasca, quem é?

2 comentários:

João Oliveira disse...

Foram os herdeiros do 25 de Abril (a vossa geração) que, impreparados para a democracia, entenderam que o Estado Social de Direito consistia, primeiramente, em direitos e, só depois, em deveres. Exigiram que, a partir da revolução, vos dessem as condições sociais e profissionais que, até então, os vossos progenitores não tinham tido. A minha avó, ainda que quase analfabeta, colheu nos poemas de Florbela Espanca as sementes de que se serviu para ajardinar tanto o seu quintal como a sua vida. Poderia ter ido longe. Não foi, não a deixaram. Mas os filhos da geração da minha avó, exactamente aquela geração que retirou os proveitos do 25 de Abril, foi quem nos educou. Foram bravos no momento. É certo. A seu favor, tinham e continuam a ter o ideal. Contra si, a inexperiência e o espírito de camaradagem e facilitismo (nem todos) que transportaram para as educações dos filhos. A nós - e quando digo nós, refiro-me a duas ou três gerações após a vossa - deram-nos tudo. E nada exigiram. Não pediram que nos esforçássemos para merecer o que entendíamos ser nosso por direito, sem que fizéssemos qualquer esforço. Conclusão: Na actualidade, somos nós os impreparados para as agruras da vida. Bem calçados na infância,vai-nos doendo as topadas que damos agora nas pedras do chão, uma vez que não temos nem capacidade económica, nem física ou intelectual para arranjar os sapatos que sirvam para estes novos tempos.
E que querem, hoje, ano de 2012, em plena crise, que chegou sem avisar? Querem agora, que somos adultos, criticar-nos por não corresponder ao que é necessário fazer para sobreviver? Pois querem agora exgir tudo a quem se habituou desde pequeno a nada fazer? A nossa geração terá que se adaptar à força, começámos em berço de ouro e acabaremos deitados em chapas de zinco. Mas a vossa geração terá que, obrigatoriamente, fazer o rebate de consciência. E pensar: se esta geração jovem é uma merda (desculpe o termo), culpa temos nós a prestar no cartório.
Para terminar, o falecido e saudoso Raul Solnado, certa vez, disse acerca da revolução dos cravos o seguinte: "O pior é quando chegar a conta para pagar os cravos!"
A conta chegou e veio para ser paga pela minha geração. Infelizmente, não temos como a liquidar.
Crticar é fácil, já rebates de consciência...

JCC disse...

Agradeço a reflexão a que procede sobre o pós 25 de Abril. Subscrevo algumas, mas não todas, das suas afirmações, como, por exemplo, a nossa impreparação política, a nossa incapacidade em formar as novas gerações nos valores do trabalho e da responsabilidade. Não afirmei nem concordo que "esta geração jovem [seja] uma merda", antes me orgulho de muitos dos seus elementos, dentre os quais destaco as minhas filhas, os meus sobrinhos e sobrinhas, todos a trabalhar no duro para si próprios e pela prosperidade da pátria.

O meu post pretendia chamar a atenção para uma realidade inconcebível: há, afiançam os sindicatos, milhares de professores desempregados e, no entanto, nenhum deles aceita o horário deixado vago por aposentação de uma colega.
Muito obrigado pelo comentário e vá passando por aqui.