Foi em 1973, no Big Ben, um café de estudantes.
Indiferentes à densa fumaça do tabaco, beijávamo-nos, esquecidos dos outros, que talvez nos olhassem espantados, sem cuidar dos riscos do presente, das incertezas do futuro: eu era militante anti-colonial, e nessa noite tinha de fazer dez pinturas comemorando o 4 de Fevereiro, com o risco de ser preso, abatido, que a polícia não brincava em serviço nem fora dele. Ou ter de passar à clandestinidade por denúncia, como pouco depois aconteceu.
Fui servente de pedreiro, operário de plásticos. Na Marinha Grande, dormíamos no chão, sem mobília. Fui chamado para a tropa aos 20 anos. Saneado após o 25 de Novembro. Pouco depois, professor. Conhecemos o desemprego simultâneo, numa época em que não havia subsídio de desemprego. Até esparguete comi -- e desde a tropa que o não podia ver à frente. Outra vez professor. O meu ordenado, então o único, não chegava para a renda da casa e a comida. Valeu-nos a família, com pequenos empréstimos que todos os meses pagávamos... e voltávamos a pedir. E as batatas que nos davam, os ovos, o possível. Mário Soares cortou-me parte do subsídio de Natal, e fiquei sem dinheiro para comprar sapatos que substituíssem os únicos que tinha, com as solas rotas, um horror em tempo de chuva. Apiedado, ao vê-los de biqueira aberta, um colega mais velho arranjou-me explicandos. Por agasalho invernal, um casaco de malha, tricotado pela minha mulher.
Bien sûr, nous eûmes des orages
Passaram os anos, criámos as filhas. As dificuldades enrijaram-nos. Aproximaram-nos quando nos afastaram.
Vingt ans d´amour, c´est l´amour folE outros vinte. E mais dois.
Dá-me um prazer enorme ler os seus blog posts. É uma das maneiras que eu consumo ( não encontro palavra mais adequada!) a nossa língua.
ResponderEliminarObrigado, do Canadá.
Liliana Ferreira
Lily Ferreira, muito obrigado. É gratificante saber que há quem leia e aprecie, demais a mais tão longe.
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