domingo, 3 de maio de 2015

Quando o 1 de Maio era vermelho (2/3)

"Fechava os olhos e apenas via moças lindas esvoaçando nos braços dos galãs (de onde tinham saído tantos? e tanta brilhantina?) ao ritmo de uma valsa ou de um tango, ora dengosas, olhando-os como actrizes de cinema, ora saltitando freneticamente ao ritmo do Rockn'Roll, Have you ever seen the rain? ... Onde estavam as feministas, as maria-rapaz ou até mesmo as sisudas, aquelas que nem respondiam a um cumprimento de colegas, se no baile apenas vira ninfas da noite?
Na segunda-feira encontrá-las-ia:
— Gostaste do baile? Que foi feito de ti, que não te voltei a ver? Procurei-te em vão... , mentiriam simpaticamente.
Sob a crua luz do dia, seriam novamente gatas-borralheiras: nos intervalos, troçariam dos professores, discutiriam com os colegas livros e discos, o feminismo emergente, a moda dos hot pants, por vezes até mesmo política, sempre à socapa, em tom conspiratório, todos sabemos que a Pide está em todo o lado, não lhe faltam informadores, de onde menos se espera é que eles saem.
Avizinhavam-se eleições, alunos do 7º ano distribuíam panfletos bem às escondidas nos cafés, talvez nem tanto por receio das consequências, mas porque em segredo tem muito mais classe. Entretanto, corriam boatos de prisões, a Pide mudara de nome, chamava-se agora DGS, mas não mudara de ramo de actividade.
Tal como hoje sucede com o futebol, os resultados eram discutidos e os prognósticos tendenciosos. Quem ganhará, o Marcelo Caetano, que só não faz mais porque o não deixam, ou os oposicionistas, há tanto tempo à espera da sua oportunidade? (E de tacho, diziam os camponeses, para quem só há dois tipos de políticos: a dos que estão cheios e a dos que se querem encher... )
O António alinhava abertamente na defesa das novas ideias, acreditando ingenuamente na Primavera Marcelista e na vontade regeneradora do velho regime. Houve um comício no Hotel Euro-Sol, o mais chique da cidade. Vasco da Gama Fernandes, líder carismático da CDE, a oposição da época, lamentava-se: ''Também nós gostaríamos de conservar os vastos territórios das províncias ultramarinas... '' Afinal, a mensagem dos velhos republicanos não era assim tão diferente da do governo, mas ainda não se sabia que os políticos só defendem aquilo que lhes pode trazer dividendos. Por agora, contava o ar fresco da juventude que os seguia, entusiástica, cantando de pé o Hino Nacional, ah, somos todos cidadãos da mesma pátria, do Minho a Timor, só faz falta trocar os salazaristas bafientos por esta gente honesta!
Argumentava e contra-argumentava, era ouvido, agora não contavam fatos, vestidos de gala, laçarotes, brilhantina, dotes de bailarino. Sem que se tivesse apercebido, o seu futuro próximo estava traçado, mas não o levaria a compreender as mulheres — apenas a Caxias, onde deu entrada no 1º de Maio de 1973."
Do lacrau e da sua picada

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