segunda-feira, 29 de junho de 2015

Falando de Karaté a propósito da Grécia

As palavras são fonte de ambiguidade. Por isso, nada como precisar o sentido que lhes atribuímos. Quando digo Karaté não me refiro a quimonos brancos, desconfortáveis e sem braguilha,a gritarias mecanizadas, as rituais, a formaturas e ordem unida. Tudo isso faz parte do Karaté, como hoje fazem as competições, mas não é o Karaté. São aspectos do Karaté, importantes, sem dúvida, mas que podem fazer esquecer, e fazem-no frequentemente, aquilo que realmente ele deveria ser: uma Arte de Vida. E de sobrevivência. Só assim se pode compreender, por exemplo, o 12 dos Niju Karaté Jutsu Kyokun, algo como Os Vinte Mandamentos da Lei da Mão da China, posteriormente mudada para Mão Vazia:
12. Não pensar ganhar, pensar em não perder.
Dir-me-ão: ideias do passado. Sem sentido nestes tempos de jogos olímpicos, de futebol, de competitividade exacerbada, em que os atletas e os não atletas são treinados para almejarem exclusivamente a vitória, mesmo que para tal destruam ou danifiquem irremediavelmente os seus corpos. Tempos em que as massas apenas se regozijam com taças, ao ponto de quase toda a glória ir para o vencedor, ao ponto de os segundos classificados chorarem de humilhação. Em que aquele que não enriquece seja lá como for é um pobre diabo, não raro um falhado, em que se mede a qualidade nas artes pelo valor das vendas...
Pois. O antigo Karaté, a fazer fé nas obras dos mestres da geração de Funakoshi, todos naturais da ilha de Okinawa, então relativamente isolada do Japão e da sua cultura, é unânime: 
Travar 100 combates e ganhá-los todos não é prova de grande perícia. Esta estará antes na capacidade de vencer 100 vezes sem ter de lutar uma única. 
Difícil, quase impossível. Porque pressupõe antes de mais o aniquilamento da vaidade, do orgulho, dos preconceitos ideológicos, para pensar unicamente no objectivo a atingir. No caso dos governantes, deveria ser no bem do povo, especialmente no mais pobre, no mais desfavorecido. Mas, como certamente nunca leram A Arte da Guerra, e se o fizeram nada entenderam, preferem a chantagem: arruinamos o nosso país, levamos connosco ao fundo outros mais vulneráveis, causamos prejuízos terríveis à Europa e ao Mundo! E os adversários, burocratas da Troika: se não cortam salários e pensões não levam nem mais um euro!
Qualquer que seja o desfecho, estoirem os gregos com tudo, ou alcancem vitória de Pirro para a propaganda doméstica e dos círculos ideológicos próximos, o povo miúdo vai sofrer muito. Que importa, dirão certos intelectuais privilegiados, para os quais sempre haverá pão à mesa, pianos e piscinas, e por isso são incapazes de perceber que faz mais falta um euro ao pobre do que um milhão ao capitalista que querem punir? Dos intelectuais do Facebook, que, certamente ofuscados pelo valor simbólico dos mitos, ou então por desonestidade intelectual, não hesitam em evocar a despropósito da crise grega a Retirada dos Dez Mil, em que Xenofonte relata como trouxe até à pátria os seus mercenários acossados por territórios estrangeiros e hostis, ou a Resistência aos nazis, em que se destacaram também países que agora se não solidarizam com a Grécia? Só ainda não compararam a situação actual com as Termópilas, talvez porque aí morreram espartanos, gregos mas não democratas, e porque a cabeça decepada do rei Leónidas foi passeada por entre as tropas persas espetada num pau, o que não seria animador para Tsypras e Varoufakis caso venham a perder a batalha...
Les jeux sont faits. Ou, fica melhor em Latim, Alea jacta est, de outro brilhante cabo de guerra da Antiguidade, o do genocídio dos Gauleses. 
Eu, na linha de pensamento dos velhos mestres de Karaté  preferia outro aforismo: Ganhar, perdendo. Coisa que não passa pelas cabeças brilhantes que de um lado e de outro jogam com as nossas vidas à mesa do póquer europeu, todas cegas pelos fundamentalismos ideológicos, de um lado os da esquerda caviar deslumbrada com o poder, do outro os sátrapas do capitalismo financeiro -- Ou vai ou racha! 
Uns e outros safar-se-ão, não lhes faltarão depois palavras e argumentos para justificarem o que aí vem, encontrarem culpas, apontarem dedos acusadores. 
Pobre mexilhão português, grego, cipriota, ou desses países para cujos habitantes ainda não conhecemos os nomes -- já sabemos o que nos espera quando o mar bate na rocha.

6 comentários:

  1. mas o ex-maoísta e ex-operário não reparou que a alegada esquerda caviar não fez mais que propostas de moderadíssimo keynesianismo? não bate o escrito com as acusações feitas às propostas coligação grega.

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  2. Um ex- tem do seu lado a vantagem de ter sido algo, ao contrário de um anónimo, que nem nome tem. Quanto ao mais, pode ser mais explícito? Não entendi patavina. O rei vai nu?
    JCC

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  3. Devagarinhom atão:

    "cabeças brilhantes que de um lado e de outro jogam com as nossas vidas à mesa do póquer europeu, todas cegas pelos fundamentalismos ideológicos, de um lado os da esquerda caviar..."

    Acredito que o antigo operário politicamente engajado que foi escaparia à armadilha da caricatura feita pela Comunicação Social e dos seus publicistas e perceberia como as propostas apresentadas pela SYRIZA nada têm de ideologicamente fundamentalistas.

    São antes de um keynesianismo (economista social-democrata ou trabalhista que inspirou o new deal de roosevelt) moderadíssimo, como até o seu antigo inimigo Freitas do Amaral já disse.

    Para continuar no Karaté, o seu post é um kiai despropositado atirado aos ouvidos de um adversário inexistente e criado como espantalho - o radical grego da SYRIZA

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  4. Caro Anónimo: a sua resposta mostra que acompanha este blogue e conhece a vida do autor; nela manifesta a sua discordância relativamente ao conteúdo do post, matéria sobre a qual nada tenho a dizer. Primeiro, porque trabalhei no post o necessário e suficiente para dizer o que queria e como queria, pelo que quaisquer explicações ou informações adicionais seriam redundantes e até ofensivas da inteligência dos leitores; segundo, porque considero a discordância, a diferença de pontos de vista, deveras saudável - eu mesmo discordo frequentemente de mim. Terceiro, porque os acontecimentos dos próximos dias vão esclarecer todas as dúvidas, fazendo surgir por detrás da fumaça da propaganda e da guerra psicológica a crueza da realidade. Então, só restará aos derrotados, sejam eles quais forem, esgrimir argumentos, na linha do velho "se a minha avó usasse calças era o meu avô".
    Aproveito para corrigir uma sua insinuação: Freitas do Amaral não é meu inimigo, e nunca o foi. Como pessoa, nunca o conheci; como professor, ouvi dizer maravilhas aos seus antigos alunos; como político, foi e é-me indiferente, por duas razões: entendo que nenhuma voz deve ser abafada e a sua actuação foi sempre irrelevante.
    O meu post não é um grito despropositado contra um adversário inexistente -- é, passe a presunção, uma lição sobre como vencer na vida, na linha dos ensinamentos de Lao Tsu e dos velhos mestres de karaté. E uma crítica a certas formas de karaté actual...

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  5. O anonimato é irrelevante quanto à substância. Não nos conhecemos, sigo o blogue, o que é suficente para saber que foi operário, estudou em Leiria e Lisboa, que foi militar, que pertenceu a um partido esquerdista, que foi professor, que tem escrito, publicado e sido premiado.


    Para o meu foco, o da recusa de que tenha havido propostas gregas radicais, o que conclui no parágrafo que transcrevo não justifica nada. Peço desculpa, mas trata-se de uma falácia.

    «os acontecimentos dos próximos dias vão esclarecer todas as dúvidas, fazendo surgir por detrás da fumaça da propaganda e da guerra psicológica a crueza da realidade. Então, só restará aos derrotados, sejam eles quais forem, esgrimir argumentos, na linha do velho "se a minha avó usasse calças era o meu avô".»

    Não será a vitória ou derrota de um dos lados que tornará as propostas do Governo grego radicais. A vitória nada tem a ver com a justeza, sensatez, razão das causas (nem com a sua falta). Hoje a vitória foi da SYRIZA, amanhã será de quem for.

    Mas entre as propostas gregas estava a recusa em subir o IVA dos medicamentos para a taxa máxima, a recusa em cortar as pensões dos mais pobres, e a da subida dos escalões máximos do IRS. Nada disso são ideias radicais, recusáveis por trabalhistas e outros Sociais Democratas. E nos dias de feira, até os políticos de Direita pedem o mesmo. Que agora CE, FMI e BCE queiram que na Grécia se continue a cortar a eito sem que isso passa nos telejornais é apenas parte do clima de novilíngua.


    Podia ser ponto de vista apenas meu. Mas não. Obama, Pacheco Pereira, Freitas acham o mesmo - recusando o consenso televisonado e martelado pelos Josés Gomes Ferreiras e Camilos Lourenços e outros comissários de turno dos tea parties e das tróicas.

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  6. No meu post, que acabo de reler para confirmar, não falo de propostas gregas radicais, antes questiono a estratégia dos governantes para vencerem.

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