Também eu disse e repeti vezes sem conta que é tudo uma questão de educação, de aprendizagem social. Os rapazes brincam com bolas e automóveis e as meninas com bonecas porque são esses os brinquedos que os adultos lhes dão, por os considerarem mais apropriados.
Asneira. Os anos e a observação vão-nos ensinando que tão preconceituoso é dar obrigatoriamente bolas aos meninos e bonecas às meninas, como o inverso, tentando contrariar a natureza. Porque ela existe e não se regula por lógica nem por preconceitos. Mas se dúvidas ainda tivesse, tê-las-ia visto esfumarem-se no sábado passado, primeiro aniversário da minha única neta, já habituada a disputar os carros ao irmão. Demos-lhe uma boneca, e era vê-la embevecida, a tocar-lhe nos olhos, na boca, nas orelhas, sobretudo a apertá-la ao peito em carinhosos abraços. E não a largou todo o dia!
Dois ou três anos atrás observei idêntica reacção quando a então única menina da família, uma sobrinha-neta, a que não faltavam brinquedos, mas não tinha nenhuma boneca, ao entrar no quarto de uma das minhas filhas deparou com uma maior do que ela: logo se lhe abraçou carinhosamente e foi contristada que deixou a 'menina' ao sair -- dias depois oferecemos-lhe uma, a primeira, e sua companheira inseparável.
Não faltarão senhoras a afiançar que em crianças gostavam de subir às árvores e de jogar à bola com os rapazes; que, ainda hoje, se aborrecem com companhia feminina e as eternas conversas de filhos, reclamações sobre a cabeleireira, críticas à mulher a dias, troca de receitas culinárias, e preferem convívio masculino, onde as conversas são outras. Mas não confundamos as coisas: é natural que apreciem a companhia masculina, como nós, homens, apreciamos a feminina, e quanto a conversas a trivialidade é idêntica, embora, por estarem menos habituadas, lhes pareça talvez terem alguma originalidade e frescura -- excepções, como o convívio aqui relatado com António Luiz Pacheco, João J. A. Madeira, António Breda, Miguel Raimundo, as nossas mulheres, são isso mesmo: excepções. Rareiam as pessoas capazes de conversas interessantes e, como o narrador do Principezinho, quando sabemos que os nossos interlocutores são incapazes de ver elefantes dentro de jibóias, falamos de política, negócios, viagens, desses assuntos que tanto interessam às pessoas crescidas e fazem mover o Mundo.
Observem, experimentem. Analisem sem preconceitos. E tirem as vossas conclusões, certamente tão incorrectas como as minhas, que nunca faltaram nem faltarão as maria-rapaz que odeiam bonecas nem os rapazes que as adoram...
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