[A meados dos anos sessenta do século passado, dois jovens, entusiasmados com as proezas do grande ciclista Alves Barbosa, montam nas bicicletas e partem da aldeia para darem, eles mesmos, a volta a Portugal. Na descida da Serra da Estrela, em Manteigas, um deles descobre o amor inventado...]
"Em cima, o sobrado parara de ranger e o silêncio profundo envolve novamente a pensão; em baixo, o Jorge esforça-se por se manter acordado para dizer das boas ao João quando voltar. Mas o João não pode descer, novamente preso entre as pernas da criada, que como tenazes o retêm dentro de si, ensinando-lhe que amar requer tempo e vagar; ternamente, a Berta olha-o das profundezas dos seus olhos verdes, diz-lhe meiguices como ele nunca ouviu e certamente jamais ouviria se não saísse da aldeia natal e a encontrasse tão longe, na Pensão Estrela, nos contrafortes da serra do mesmo nome, e arrulha, arrulha, mergulhando pelos olhos dele dentro à procura da alma, talvez para confirmar se se ajusta tão bem à sua como a boca dele ao seu mamilo esquerdo; a barba do companheiro pica-a e inocentemente diz que quando se casarem será melhor ele barbear-se à noite; esquece que o rapaz está completamente saciado, tão depressa não precisará de mulher e, quanto a casamento, Deus o livre enquanto puder — e quando casar não será com uma sopeira, mesmo tendo-se deitado uma noite com ela, ele, que ela terá passado sabe-se lá quantas, vá-se lá saber com quem! As pernas que o retêm, impedindo de sair de dentro dela o que restava dele, empurram-no furiosamente, a mão direita explode na cara do João com o som seco de um tiro de pistola, e é fera assanhada que grita, baixinho, para não provocar escândalo, apontando a porta — que desapareça dali. A surpresa da agressão, a violência da bofetada, dessa primeira vez em que ela lhe bateu, a indignação da moça, levam-no a não querer ser expulso como cão que entra na igreja apenas porque a porta está aberta. É ele que tenta emendar a asneira, é ela que tapa a cara com as mãos e o repele de si com os cotovelos, nua como nasceu, e tão brava está que nem o ouve, fala, fala: bem a enganou, julgou-o diferente dos outros, mas é apenas mais um porco que depois de se espojar volta para o seu masseiro e o seu curral; se já tem o que queria, ou mais do que isso até, porque não desaparece, dali, da vida dela?
Desorientado, exausto e sonolento, o João não sabe o que quer, mas sabe que não pode deixar a moça naquele estado e não acha justo depois de tudo o que ela lhe deu portar-se de forma tão ingrata, como peixe astuto que comeu a isca e escarnece do anzol. A Berta chora inconsolavelmente, enrolada no divã, os joelhos encostados ao queixo, uma das mãos cobrindo os olhos, ou para o não ver, ou para esconder dele a sua nudez, sabido que é assim que as mulheres reagem por pudor, diferentemente dos homens, que, se surpreendidos nus, se obstinam em ocultar com as mãos o que lhes pende entre as pernas; cauteloso como aranha que se aproxima da fêmea, receoso daqueles cotovelos, perigosos e cegos, batem por instinto naquilo que lhes toca, aproxima-se e diz: — Gosto de ti!, a única frase bonita e sincera que lhe ocorre naquele momento de desorientação. Não foi grande coisa, mas a Berta já sabe que não é dado à retórica; virou para ele os olhos verdes e, por entre lágrimas de desilusão e de raiva, surpreendeu-se: — O quê?
Timidamente, o João repetiu o que antes dissera. Então ela deitou-lhe ao pescoço os braços que antes o repeliam, encharcou-o nas lágrimas que não cessavam de correr, e sem deixar que os olhos dele fugissem dos seus, repetiu-lhe, através deles, que nunca mais, mas nunca mais, lhe dissesse aquelas coisas feias; não o queria contrariado um instante que fosse junto de si; solteiro ou casado, podia deixá-la quando quisesse se não gostasse mais dela; mas sem ordinarices, entendia?
Estranha o rapaz que as lágrimas femininas aticem aquela parte do corpo que já esmorecera, suplicando por repouso... Quem diria que têm esse efeito, ao tombarem sobre os homens?"
Um amor inventado, JCC
"Em cima, o sobrado parara de ranger e o silêncio profundo envolve novamente a pensão; em baixo, o Jorge esforça-se por se manter acordado para dizer das boas ao João quando voltar. Mas o João não pode descer, novamente preso entre as pernas da criada, que como tenazes o retêm dentro de si, ensinando-lhe que amar requer tempo e vagar; ternamente, a Berta olha-o das profundezas dos seus olhos verdes, diz-lhe meiguices como ele nunca ouviu e certamente jamais ouviria se não saísse da aldeia natal e a encontrasse tão longe, na Pensão Estrela, nos contrafortes da serra do mesmo nome, e arrulha, arrulha, mergulhando pelos olhos dele dentro à procura da alma, talvez para confirmar se se ajusta tão bem à sua como a boca dele ao seu mamilo esquerdo; a barba do companheiro pica-a e inocentemente diz que quando se casarem será melhor ele barbear-se à noite; esquece que o rapaz está completamente saciado, tão depressa não precisará de mulher e, quanto a casamento, Deus o livre enquanto puder — e quando casar não será com uma sopeira, mesmo tendo-se deitado uma noite com ela, ele, que ela terá passado sabe-se lá quantas, vá-se lá saber com quem! As pernas que o retêm, impedindo de sair de dentro dela o que restava dele, empurram-no furiosamente, a mão direita explode na cara do João com o som seco de um tiro de pistola, e é fera assanhada que grita, baixinho, para não provocar escândalo, apontando a porta — que desapareça dali. A surpresa da agressão, a violência da bofetada, dessa primeira vez em que ela lhe bateu, a indignação da moça, levam-no a não querer ser expulso como cão que entra na igreja apenas porque a porta está aberta. É ele que tenta emendar a asneira, é ela que tapa a cara com as mãos e o repele de si com os cotovelos, nua como nasceu, e tão brava está que nem o ouve, fala, fala: bem a enganou, julgou-o diferente dos outros, mas é apenas mais um porco que depois de se espojar volta para o seu masseiro e o seu curral; se já tem o que queria, ou mais do que isso até, porque não desaparece, dali, da vida dela?
Desorientado, exausto e sonolento, o João não sabe o que quer, mas sabe que não pode deixar a moça naquele estado e não acha justo depois de tudo o que ela lhe deu portar-se de forma tão ingrata, como peixe astuto que comeu a isca e escarnece do anzol. A Berta chora inconsolavelmente, enrolada no divã, os joelhos encostados ao queixo, uma das mãos cobrindo os olhos, ou para o não ver, ou para esconder dele a sua nudez, sabido que é assim que as mulheres reagem por pudor, diferentemente dos homens, que, se surpreendidos nus, se obstinam em ocultar com as mãos o que lhes pende entre as pernas; cauteloso como aranha que se aproxima da fêmea, receoso daqueles cotovelos, perigosos e cegos, batem por instinto naquilo que lhes toca, aproxima-se e diz: — Gosto de ti!, a única frase bonita e sincera que lhe ocorre naquele momento de desorientação. Não foi grande coisa, mas a Berta já sabe que não é dado à retórica; virou para ele os olhos verdes e, por entre lágrimas de desilusão e de raiva, surpreendeu-se: — O quê?
Timidamente, o João repetiu o que antes dissera. Então ela deitou-lhe ao pescoço os braços que antes o repeliam, encharcou-o nas lágrimas que não cessavam de correr, e sem deixar que os olhos dele fugissem dos seus, repetiu-lhe, através deles, que nunca mais, mas nunca mais, lhe dissesse aquelas coisas feias; não o queria contrariado um instante que fosse junto de si; solteiro ou casado, podia deixá-la quando quisesse se não gostasse mais dela; mas sem ordinarices, entendia?
Estranha o rapaz que as lágrimas femininas aticem aquela parte do corpo que já esmorecera, suplicando por repouso... Quem diria que têm esse efeito, ao tombarem sobre os homens?"
Um amor inventado, JCC
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