domingo, 4 de setembro de 2016

As Tripas de Deus

“Hablo en las tripas de Dios
Y vos hablaisme en los gatos!”
(O Castelhano, Auto da Índia, Gil Vicente)
Ontem, por mero acaso, a que não foi alheio o calor que me fechou em casa, vi no canal Discovery “Criou Deus o Universo?”, com base em livro do físico S. Hawking.
Ao longo do programa, o físico deixa claro que não pretende mudar crenças e convicções, mas, à luz do conhecimento científico, e é este o busílis, Deus não é necessário para a criação do nosso Universo. Para tal, e como a energia total do Universo tem de ser zero – vejam o programa para compreenderem a explicação, aliás perfeitamente intuitiva – são suficientes, para que um universo surja do Nada, três ingredientes: Matéria, Energia, Espaço.
Matéria e Energia, sabemo-lo desde Einstein, são a mesma coisa; Espaço -- e aqui as minhas orelhas arrebitaram, curioso para conhecer a definição de Hawkings – pois fiquei na mesma, limitou-se a dizer que é abundante no Universo. Mas nem outra coisa seria de esperar, que o universo não existe fora do Espaço. Do Espaço-Tempo, como sabemos desde Einstein.
Não duvido de que um universo possa surgir espontaneamente do Nada, como argumenta Lawrence Krauss no seu extraordinário livro A Universe from Nothing (Amazon), mas parece-me que esta visão estritamente materialista tem uma insuficiência insuperável. Para que um universo surja e se estruture como aquele em que vivemos é preciso Informação (ver, por exemplo, também da Amazon, God, Soul, New Physics, de Trevelyan).
Explico-me sumariamente: se uma única das forças que regem o Universo (força forte, força fraca, electromagnética e gravidade) tivesse um valor infinitesimalmente diferente, o nosso Universo não existiria, e nós não estaríamos cá a colocar questões sobre Deus e o Universo. Em termos mais vulgares, não basta juntar ingredientes para cozinhar. É preciso seguir uma receita – as leis da Física.
Ficamos, portanto, como na história do ovo e da galinha. Sem Informação não há universo materialista, mesmo que todos os restantes ingredientes necessários à sua criação estejam presentes. Como surgiu essa informação estruturadora? Porquê?
Se a esses Princípios Criadores chamar Deus, ou leis da Física, pouco interessa; as palavras surgiram muito provavelmente quando ainda andávamos de tanga pelas savanas africanas, cruidas pela necessidade de descrever um mundo – e não um universo – que se não estenderia muito para além do horizonte, quando cada força da Natureza, cada catástrofe, era obra de um deus e os milagres eram corriqueiros. As palavras que temos, as línguas naturais que as integram, não são certamente adequadas para descrever a estranheza do Universo e das suas leis e a nossa lógica de primatas não consegue conceber nem os seus mistérios (que é a matéria negra? A energia negra? Que é o Espaço-Tempo?...) nem os da sua criação.

Por enquanto. 

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