terça-feira, 22 de novembro de 2016

Reflexões em torno da arte da escrita

Passei 36 anos a corrigir textos; mas era a minha profissão, pagavam-me para isso, eu tinha autoridade para corrigir, mesmo quando, sobretudo nos últimos anos, precisava frequentemente de provar a alunos e a pais e mães que tinha razão.
Este vício de emendar, de corrigir, de sugerir, entranhou-se-me nas veias. Frequentemente, ao ler textos próprios ou alheios, dou comigo a pensar que aquele texto melhorava se... ou que devia ser rasgado e rescrito. E não raro, num passado recente, tive a presunção e a arrogância de o dizer a autores orgulhosos, embevecidos com a obra produzida, só preparados para encómios e aplausos... Muitos foram os dissabores; passei a tomar algum juízo e já só leio e comento materiais inéditos de amigos que sei estarem receptivos a críticas.
Mas o vício de ensinar permanece vivo, mãos dadas com a tal arrogância que me leva a avaliar, a julgar, a classificar muito do que vou lendo. Por isso, ouso avançar com algumas sugestões, que bem tento seguir.

  • Um fotógrafo famoso -- mas podia ser qualquer outro artista -- respondeu assim a quem lhe perguntava porque é que demorava tanto tempo com uma simples fotografia que em exposição mereceria, no máximo, uns segundos de atenção: -- Para que as pessoas olhem para ela uns segundos.
  • Trabalho em busca da forma perfeita não implica produção de textos rebuscados, barrocos, gongóricos.
  • Estilo simples não é estilo simplório.
  • Uma coisa é o real, outra o verosímil. O primeiro é material de jornalistas, o segundo de escritores.
  • Um texto não deve apresentar erros de ortografia, de semântica ou de sintaxe; mas isso não o torna num bom texto. É preciso que tenha mais qualquer coisa. O quê?
  • Considero a história fundamental em romances e contos. Bem contada, sem erros de pormenor. Sem história, são livros, alguns muito bons. Mas a história não chega.
  • O essencial: que, como ensina o padre Vieira, as coisas sejam introduzidas com caso, queda e cadência. Com caso, porque devem ser relevantes naquele fragmento e naquela obra; com queda, devendo surgir não apenas com naturalidade, mas com inevitabilidade; com cadência, porque o ritmo é fundamental na escrita, isto se quisermos evitar textos chatos.
(Continua)

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