quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Como se faz um descrente

Conta Lobo Antunes que foi assediado sexualmente por um professor de Moral, fazendo-me recordar que as minhas desavenças com religiosos e igreja começaram bem cedo, aí pelos meus sete anos.
O meu pai mandava-me à catequese, não por fé, que a não tinha, mas porque sempre era melhor do que andar na rua, na coboiada com a garotada de má fama, suspeitos de crimes atrozes como roubar fruta de árvore de onde caía para o chão. E eu já então lia tudo o que apanhava, tinha memória espantosa e a mania de que sabia tudo. Ora um dos raros livros que havia em minha casa, não imagino o motivo, era Os Quatro Evangelhos. Que eu sabia de cor e salteado, pois naquela idade bastava-me ler para decorar.
Era uma guerra com a pobre catequista, quase analfabeta, ela a papaguear o catecismo e eu a desmenti-la: Jesus não tinha dito nada daquilo porque S. Mateus contava que...
Chegou seminarista para ajudar e a catequista logo me despachou para ele. Que também não parecia ter lido os evangelhos: quando o desmenti, pregou-me forte chapada. E eu saí sacristia fora, para satisfação de ambos.
O meu pai estava em casa.
— A catequese já acabou?, perguntou desconfiado.
— Vim-me embora e não vou mais!
— E porquê?
Contei que o padreco me tinha batido. O meu pai nada disse, mas não me obrigou mais a frequentar a catequese. Quando tive de gramar as aulas de Religião e Moral fiz a vida negra aos padres, que não raro me punham na rua, mas essas são histórias para outra ocasião
Foi apenas aos 14 anos que de uma assentada me confessei pela primeira e última vez, comunguei, e fui crismado, aproveitando visita do bispo à minha freguesia.
Talvez por isso me não possa agora vir gabar de ter sido assediado por um qualquer padre, que entre mim e eles sempre quis distância.

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