sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Putas e vinho verde

Estava no início de carreira, professor provisório sem habilitação própria, miniconcursiano, como nos designavam pejorativamente os colegas já instalados, e coube-me horário nocturno.
A tentar esconder o pavor, olhei para aqueles alunos, todos mais velhos do que eu, e comecei a aula de apresentação. 
Ia talvez a meio do tempo lectivo quando aluno mal encarado, olhos turvos pelo nevoeiro, abre a porta da sala, entra e senta-se sem dizer água-vai nem água-vem.
Não ia perder a face logo na apresentação!
— Boa noite! 
Nem me olhou.
— Boa noite! E, já agora, manda a boa educação que ao entrar atrasado bata à porta, peça licença para entrar... Como o não fez, e já se instalou, quer apresentar-se?
Olhou-me com desprezo.
— O que eu quero é putas e vinho verde!
A turma, do major reformado da Força Aérea à freira do hospital vizinho, olha-me na expectativa.
E eu, em tom duro, aparentado uma coragem que bem gostaria de ter:
— Então enganou-se na porta, que isto não é nem taberna nem casa de putas! É uma sala de aula, e se quer ficar é para se portar com respeito e educação!
Deitou-me olhar assassino, do género lá fora ‘comezas’, levantou-se e foi embora.

Mas não: nem dessa vez, nem em nenhuma outra, fui espancado por alunos. E aquela ave nunca mais apareceu nas minhas aulas.

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