segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Fazer chichi

Tinha dez anos, frequentava o Ciclo Preparatório. Era meu professor de Trabalhos Manuais mestre Cristóvão, um homenzarrão, velho dos seus trinta anos.

Ora numa das suas aulas deu-me uma terrível vontade de urinar e contorcia-me na carteira sem ousar pedir ao mestre para ir às sanitárias, indeciso entre o falar grosseiro próprio das minhas origens camponesas e a linguagem efeminada da vila. Mas a necessidade, imperiosa, género ou vou já ou faço aqui, obrigou-me a vencer a vergonha:

– Senhor mestre, posso ir lá fora?, atrevi-me timidamente.

O homenzarrão encarou-me: – E o que vais tu fazer lá fora?

– Chichi, balbuciei, olhos baixos.


– Queres ir fazer o quê?

A turma ria a bandeiras despregadas. Da minha atrapalhação, e por eu falar como uma menina.

Já não aguentava mais.

– Mijar, sussurrei, certamente corado como dióspiro maduro.

– O quê? Fala mais alto, que não te ouço!

– Quero ir mijar, senhor mestre!

– Vai lá então, mas não te demores.

Fui. E nunca mais fiz chichi na vida.

Foto: talvez dois anos mais tarde, a mesma turma.


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