terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A andorinha desasada (1/6)

 A neta pede uma história: — A do Piupiu!

— Outra vez essa? O avô conta outra!

Não! É a do Piupiu, a andorinha desasada, que a neta quer ouvir novamente. Lá terá de a contar — os avós fazem tudo o que as netas reclamam. E também, quase sempre, o que os netos pedem. Vamos lá, então. 

Todos os anos, mal começa a Primavera, vem a mesma família de andorinhas morar para o ninho no nosso beirado. Primeiro, limpam-no, reparam os estragos do Inverno, alcatifam-no com penas fofas, e quando já está confortável, põem os ovos, deitam-se em cima deles a aquecê-los, depois nascem os filhotes. Muito pequeninos, de olhos fechados, ainda nus…

— Porque é que os pais não lhes vestem roupas?

— Ora, tu sabes que os passarinhos não usam roupas. Têm penas, muito quentinhas, para se aquecerem e para voarem. Mas quando nascem, as penas ainda não cresceram, e ora o pai, ora a mãe, deitam-se em cima deles, com as asas abertas, a aquecê-los. Um dos pais fica em casa, a tomar conta dos bebés, o outro sai a caçar bichinhos, que leva no bico para alimentar as crias, sempre com muita fome. E elas, embora ainda não vejam, quanto sentem a chegada do pai ou da mãe, abrem muito os biquinhos para receber o bicho.

E crescem muito depressa, até que um dia, já com os corpinhos cobertos de penas, com as asas bem formadas, se enchem de coragem e, primeiro as mais valentes, depois as medrosas, se atiram do ninho abaixo. Batem desajeitadas as asas, voam aos tombos, mas, antes de se esmagarem contra o chão, já sabem voar e logo se elevam alto, acima dos fios eléctricos. E muito contentes, como nós também ficamos quando conseguimos fazer coisas difíceis! Dá então gosto ver a alegria com que voam, ora mais alto que os telhados, ora a rasar o chão!

De todas as andorinhas daquela ninhada, a mais feliz com a descoberta da sua habilidade para voar, pois poucas aves voam tão bem como as andorinhas, era o Piupiu, o mais pequeno da ninhada.

Vendo-o em acrobacias aéreas, que são as voltas e reviravoltas que as aves e os aviões fazem, a mãe avisa-o:

— Piupiu, tem cuidado! Ainda tens algum acidente, a voar à doida!

— Qual quê! — E não parava com as acrobacias. — Vê só esta volta! Vou passar rente ao chão, entre aqueles arbustos! E de olhos fechados!

— Não! — grita a mãe, aflita. Cuidad…

Não teve tempo de acabar.

Trás! Catrapás! Choca com ramo do arbusto, rola por terra o pobre Piupiu, a piar desconsoladamente: — Ai! Ui!

— Vês o que faz não ouvires os meus conselhos? — ralha lá do alto a mãe, sem se aperceber da gravidade da situação. Mas logo se aflige, ao ver que a asa esquerda do pobre Piupiu está caída, não a consegue mexer.

— Mãe, não consigo voar! — chora, de dor e de frustração.

A mãe poisa ao pé dele, também ela apoquentada. E olha preocupada em redor, não esteja a aproximar-se sorrateiro Tareco, o gato malvado da casa, que caça impiedosamente sardaniscas e passarinhos, e em salto tenta apanhar as andorinhas quando voam baixo por pressentirem a aproximação do mau tempo.

A asa está partida. 

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