quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Pisar o risco

Diz-se que a indisciplina, o mau comportamento e a má educação nas escolas, a violência para com os professores, começaram com a liberdade trazida pelo 25 de Abril.

Não é esse o meu entendimento, baseado na minha experiência de aluno. Por exemplo,  no liceu de Leiria, nos anos sessenta, não faltava quem tentasse pôr o pé em ramo que sentisse verde, assim o permitissem os professores.

Aquela turma de quarto ano tinha dois professores deficientes: o de Inglês, cego, mas com esse ninguém fazia farinha, que era mau como as cobras e, mesmo não vendo, via tudo o que se passava; e a de Matemática, surda como uma porta.

Nas suas aulas, um regabofe pegado da entrada ao toque de saída. E não era só a falação constante; uma das graçolas recorrentes consistia em deixar cair como por acidente a esferográfica, e, apontando para ela,

—Stôra, posso tocar uma punheta?

— Apanha lá a caneta!

Vendo a risota geral, a balbúrdia instalada, que em vão tentava debelar, a professora pensaria, talvez, que outra vez tinha sido gozada. Mas fingia de nada se aperceber.

Até que…

Logo no início da primeira aula do segundo período, o mesmo aluno, a repetir a graçola estafada:

— Stora, posso tocar uma punheta?

— Rua, já! E levas participação disciplinar, de uns dias de suspensão não te livras, seu parvalhalhão mal educado!

Ninguém se atrevia a rir. Ninguém repetiu as asneiras costumeiras. 

Instantaneamente, todos tinham percebido que nas férias de Natal a professora havia posto aparelho auditivo. 

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