Há 639 anos, neste dia 6 de Abril, o meu Rodrigo Pessanho Semedo combateu na Batalha dos Atoleiros. Eis o seu testemunho.
“Aquela batalha, a primeira em que entrei, foi também a única em que não senti medo. A cavalaria castelhana carregou furiosa sobre nós e foi destroçada por uma chuva de setas e de virotões. Voltaram à carga, para se espetarem contra uma muralha de lanças que erguíamos firmes como D. Nuno ordenara, os pés bem afastados, as pernas fortes, os corações cheios de fé em Deus, que não nos negaria aquela vitória pois lutávamos na nossa terra e pela nossa terra. E de fé nele. E prouve a Deus Nosso Senhor que de tantos cadáveres que tombaram por terra nem um só fosse português... Eu mesmo encharquei as mãos em sangue inimigo ao derrubar jovem cavaleiro leonês que se aprestava a matar a meu primo, tendo-o logo de seguida decapitado com forte fendente quando se levantava; dele tomei como despojos o seu belo bacinete, o saio de malha, a montada e o escudo, em cujo brasão leão orgulhoso atestava a origem do moço fidalgo. A meu escudeiro deixei sua contia, vestes e ornamentos, que me pareceu coisa vil e indigna de homem de armas apropriar-se da riqueza do morto como se o houvera matado para o roubar. Era então ingénuo, cheio de pruridos que a rudeza da guerra cedo esfumaria — por isso, me afastei pesaroso do terreiro, desviando entristecido os olhos da mortandade: tantos e tão jovens cavaleiros, como eu cheios de ilusões e de esperanças, a lidarem por amor de suas donas e por lealdade para com seus senhores, ali jaziam por terra, despojados de suas armas, jóias e contias, despidos de seus ricos vestidos, muitos agonizantes em sofrimento atroz, soltando gritos de dor lancinantes quando a soldadesca, entregue à vil faina da pilhagem, os virava e revirava impiedosamente como se coisas sem préstimo fossem. O destino daqueles valentes poderia em breve ser também o meu...”
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