Já D. Dinis, um dos nossos melhores poetas, na cantiga de que abaixo se transcreve um fragmento, descria da paixão daqueles que apenas a sentem e a exprimem numa época fixa: o “tempo da flor”. Por muito bem que os seus cantos amorosos soem (Proençaes soem mui bem trobar), censura-lhes a insinceridade, o convencionalismo, a observância do calendário, incompatíveis com uma paixão sincera.
De então para cá (D. Dinis morre em 1325), assistimos a um afunilamento no horizonte temporal da expressão das paixões, que passaram do tempo da flor para um (e um só) dia oficial — o dia de ontem, proclamado dia dos namorados pelos areópagos do consumismo .
Estou a ser injusto: há também dia para beijar (13 de Abril). Dois dias num ano inteiro.
Nada como ter a vida organizada, os amores calendarizados, ser como toda a gente, até porque, já que falo de amor, tenho de recordar a máxima do senhor de La Rochefoucauld: há pessoas que nunca se teriam apaixonado se não tivessem ouvido falar de amor.
“Proençaes soem mui bem trobar
e dizem eles que é com amor;
mais os que trobam no tempo da flor
e nom em outro, sei eu bem que nom
ham tam gram coita no seu coraçom
qual m'eu por mia senhor vejo levar."
D. Dinis
(Proençais: cantigas de amor à moda Provençal; Coita: sofrimento amoroso; mia senhor: minha senhora)
FOTO: antes de haver dia dos namorados e dia do beijo.
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