A biblioteca da escola onde fiz o Curso Comercial funcionava muito bem, graças à dedicação e ao esforço da professora responsável, que teve um papel fundamental na minha orientação como leitor.
Nem todos aceitavam a sua orientação, parecendo, até, que provocatoriamente pediam livros que sabiam serem recusados para darem vazão à rebeldia da idade: — Se não posso ler o que quero, não leio nenhum outro!
Também a mim me recusou alguns títulos: lembro-me, por exemplo, do Amor de Perdição:
— Ias precisar de muitos lenços para as lágrimas! Lê primeiro este… Só viria a ler, deslumbrado, o Amor de Perdição já adulto, pelos meus vinte e tal anos. Mas valeu a pena a demora, porque, então, o soube apreciar, lendo muito para além do triângulo amoroso Simão-Teresa-Mariana. E continua a ser uma das minhas obras favoritas.
Foi com essa professora que eu, leitor preconceituoso, comecei a ler ficção científica, ao ponto de ficar viciado no género e na colecção Argonauta: As Flores que Pensam, obras de Ray Bradbury, Clifford Simac, Azimov …E também não-ficção: A Expedição da Kon-Tiki, À Margem do Tempo... Fiquei, aliás, muito surpreendido, quando me disse (conversávamos muito) que nos países anglo-saxónicos se lia muito mais não-ficção do que ficção. Como também eu hoje faço.
Saí da escola, deu-se o 25/4. Em conversa com alunos, perguntei pela professora.
— Ah, saneámo-la da biblioteca!
— Mas porquê? Ela e o marido até eram oposicionistas!
— Pois, mas quando queríamos trazer um livro, não deixava e mandava outro!
E perdi-lhe o rasto. Mas não a consciência da dívida de gratidão, que me levou a registar na dedicatória do meu primeiro romance, Do Lacrau e da Sua Picada:
“A duas das professoras a quem mais devo:
− Margarida Martins d’Aires Filipe, minha professora primária;
− Margarida de Carvalho, professora de Português na Escola Industrial e Comercial de Leiria.”
Pouco depois, foi a minha vez de lutar pela promoção da leitura. Bibliotecas de turmas, exposições orais de livros feitas pelos alunos, visitas de estudo à biblioteca municipal, a pé, tentando que se inscrevessem como leitores e requisitassem livros para depois falarem deles nas aulas…Batalhei muito na área.
Por vezes com a satisfação profissional que traziam os pequenos sucessos, por vezes citando mentalmente o profeta: Eu sou a voz que prega no deserto…
”Valeu a pena? /Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).
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