Fui ensinado a recusar todas as dádivas de toda a gente que não pertencesse à família mais chegada. Por palavras, sobretudo pelo exemplo. Suponho que para não ficarmos “na obrigação”. Na desconfiança ancestral de que ninguém dá nada a ninguém desinteressadamente.
Os olhos a aguar, a boca a salivar — mas não, não aceitava, muito obrigado, mas não quero, ou não gosto, ou agora não me apetece.
— Toma, vá lá, sou eu que te quero dar!
Escondia as mãos atrás das costas, olhos baixos, cabeça a menear negativamente, contrariando o coração, atormentando o pobre estômago, sempre tão carente de guloseimas.
Pobre e remendado, mas orgulhoso como faminto fidalgo espanhol.
De tempos a tempos, passava pela aldeia mendigo.
— Mãe, está ali um pedinte!
— Leva este punhado de batatas ao pobrezinho e diz-lhe que Nosso Senhor o favoreça!
O mendigo metia a pobre dádiva no saco de serapilheira por entre ladainhas de agradecimento, e ia bater a outra porta, de gente que não pedia nem aceitava esmolas, embora quase tão pobrezinha como ele.
Ora um dia apareceram-me à porta a pedir dois homens na força da idade, aspecto de cavadores. Aqueles não eram mendigos, bem no via pelo aspecto, e por serem dois.
Ladrões?
Vendo-me paralisado pelo medo, à janela do primeiro andar, riram: não vinham roubar nada, andavam a pedir. E um deles abriu o saco de serapilheira, onde, em vez de batatas, feijões, maçãs ou cacho de uvas, havia uma ninhada de lindos cachorrinhos a ganirem tão tristes que de vê-los e ouvi-los se me partia o coração.
— Raposinhos, disse o homem. Matámos os velhos e estes em breve vão pelo mesmo caminho.
E, vendo que naquela casa se não safavam, os meus pais ausentes, eu dinheiro não tinha, e se o tivesse não o dava, seguiram rua fora, convencidos de que, como benfeitores da Humanidade, mereciam paga por exterminarem aquela praga — enquanto eu chorava de impotência e raiva por não ser grande e valente para salvar os pobres raposinhos do saco.
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