terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Abafadora (2/6)

 É a vez de a confessada não entender. Se o que faz é um bem para todos, para a patroa que se livra de cliente difícil, que os velhos, se estão bons, passam a vida a reclamar, se estão acamados, entubados, a sofrer, só dão chatices e trabalho, para a família, que não precisa de continuar a fingir amor, a sentir-se na obrigação das visitas, que nenhum jeito dão, o que lhes vale são os telemóveis para se entreterem enquanto fazem tempo à cabeceira da enferma, ou em mesa na sala de convívio? Ser apanhada, como, se morrem durante a noite, ninguém vê, tenho o cuidado de dar dose cavalar de comprimidos para dormir à colega de quarto, que nem que lhe passasse um comboio ao lado acordava? Acabo-lhes com o sofrimento, e prontos! O médico do lar desconfiar? Ele não vê os velhotes vivos, quanto mais mortos! Passa a certidão de óbito no gabinete da directora, todos eles devem já anos à terra, e o médico, por aquilo que recebe, não está para se maçar. Tá bem que morrem muitas velhotas acamadas durante o meu turno, mas é de noite que se morre mais, a mim, calha-me fazer a noite, dá-me jeito, vivo sozinha, a gratificação sabe-me bem. E prossegue, sem que o padre a interrompa para se focar nos crimes e pecados — está no lar contrariada, obrigada pelo Centro de Emprego, que a mandou para lá em vez de lhe arranjar coisa melhor, até tem estudos, fez, já adulta, mas fez, e muito lhe custou, o 12 ano, e puseram-na a limpar o cu a velhos e, pior, a velhas! Outras, desempregadas como ela, com menos habilitações mas bons padrinhos, são colocadas nos Centros de Saúde como administrativas, para ela, sempre o pior! Então, diverte-se, quebra a monotonia das longas noites, apagando uma ou outra, raramente um homem, pois eles não são tão chatos: Uma que refile comigo, que se atreva a fazer queixa de mim, e já não ouve cantar o cuco! Faço-lhe a folha, que é um instante. Se toma coisas para dormir, aumento-lhe a dose, não muito, para se alguma vez fizerem autópsias, não desconfiarem, e zás! Nessa madrugada, enquanto a colega de quarto ronca como motosserra, pedrada da dose cavalar de soporíferos que lhe dei ao deitar, abafo a queixinhas com a almofada até deixar de se debater, e eu como se estivesse a aconchegar-lhe a roupa, Durma bem, querida! Com os anjinhos!

E olhe, Sr. Padre, confesso também: não é só para me vingar, nem para aliviar a coitada, a família e a sociedade com essa obra de caridade. É pelo gozo que me dá. E, baixando a voz: Saio sempre do quarto com as cuecas encharcadas! Tenho dois e rês orgasmos enquanto apago a velhota! E olhe que quando me deito com um homem, é raro, muito raro, acontecer-me.

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