O ensino de Português a estrangeiros era um desafio permanente. Por exemplo, à chegada, a moça da secretaria dizia-me: Mudámos o seu horário, agora vai ter uma nova aluna. E eu pedia pormenores que me permitissem preparar para o trabalho que ia começar dentro de minutos. Ela pouco sabia: É uma senhora holandesa, grávida, vai cá estar duas semanas. E eu, ansioso: se sabia se falava alguma coisa de Português, ou de Francês…
A moça sorria e abanava negativamente a cabeça.
Ei-la, a nova aluna, que me espera já na sala. Uma holandesa a fazer-me lembrar as flamengas do Brel: pontualíssima, hirta, rosto sem expressão, nada exuberante, menos ainda faladora.
Procuro pontes linguísticas, quase me armo em poliglota. Sem sucesso. A senhora, pelos vistos, só falava a sua língua. Nem sequer um sorriso animador. Estou feito, vamos a isto, à maneira do Tarzan: Chamo-me José, o meu nome é José, e apontando para ela A senhora chama-se…e lá vou quebrando o silêncio, procurando levá-la a repetir identificação, nacionalidades, localização espácio-temporal… Depressa me dou conta de outras dificuldades, a senhora, simplesmente, não conseguia articular os sons LHE e NHE: Tenio uma filia; a minia filia… nem as vogais nasais e, muito menos, os ditongos nasais.
As primeiras duas horas de tormento terminaram. E foi de cabeça desfeita que comecei a segunda aula, desta vez com um dinamarquês, extremamente culto, tradutor da CEE, poliglota, já bem fluente em Português e, fiquei a saber, razoável conhecedor da fonética holandesa.
Falámos das minhas dificuldades e ele deu-me conselhos que se vieram a revelar extremamente úteis. Por exemplo, para as vogais nasais, que partisse das consoantes nasais m e n, que existiam em holandês, para, uma vez aprendidas, passar aos ditongos nasais. Se eu sabia Latim? Bom, tinha uns rudimentos. Talvez a senhora tivesse aprendido também Latim, muito provável na geração dela, dizia-me, e assim já teríamos uma língua comum para as mediar as dificuldades.
Nessa tarde, mais confiante com as suas dicas recebidas, enfrentei a aula seguinte com a holandesa. O trabalho não ficou fácil, mas tornou-se possível. E nesse ensino essencialmente prático, que a par da responsabilidade me dava ampla liberdade, interrompia frequentemente as aulas para descermos ao bar, onde, eu fazia questão para que perdesse a timidez e ganhasse confiança, ela pedia Faz favor, um café para este “senior”, e aquele bolo para mim.
— Este, o palmier?
— Nau, esse do lado.
Isto porque nunca ensinei aos meus alunos os nomes de bolos, que nem eu sei: Apenas, este, esse, aquele. E mais uma dúzia de coisas que lhes permitiam comunicar imediatamente com os indígenas.
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