Estávamos no Verão de 1983, o meu contrato no ensino tinha terminado a 31 de Julho, e sem emprego nem salário — não havia então subsídio de desemprego para professores — fui ensinar Português a estrangeiros durante o Verão numa escola privada de Lisboa.
Sempre exigente comigo próprio, a direcção apreciou o meu trabalho, e foi-me dando os casos difíceis, que tinham exigido mudar de professor por insatisfação: pagavam bem, exigiam resultados e rápidos. Queriam aprender um português básico que lhes permitisse compreender e ser compreendidos em Moçambique ou noutra antiga colónia para onde iam viver dentro de duas ou três semanas.
Ora em determinada altura foi-me passada uma família canadiana, pai, mãe, um adolescente rebelde, passe o pleonasmo, e a irmã, ainda criança. A professora anterior não tinha conseguido dar conta da incumbência, nada fácil, como depressa descobri.
Não raro, tinha de mediar discussões ferozes entre pai e filho, que recusava trabalhar, sem nunca me esquecer dos testes semanais que validavam a aquisição rápida do Português Fundamental I — de todos eles.
Os métodos, estruturais, exigiam que o ensino fosse em Português e extremamente repetitivo, a partir de modelos, algo como:
Lisboa é a capital de Portugal.
Um habitante de Portugal é um português.
Em Portugal fala-se Português.
E eu começava pelo pai, aluno aplicado:
Paris é a capital da França.
Um habitante de França é um francês.
Em França fala-se …
— Francês, respondia.
Portanto os franceses falam…
— Francês.
Passava à mãe, agora com os espanhóis.
Madrid é a capital de Espanha.
Um habitante de Espanha é espanhol.
Em Espanha fala-se…
— Espanhol!
Portanto, os espanhóis falam…
— Espanhol!
Depois, ao moço:
Londres é a capital da Inglaterra.
Um habitante de Inglaterra é um inglês.
Em Inglaterra fala-se…
E ele, despachado, a atalhar já a pergunta seguinte: —Inglaterra! Os Inglaterras falam Inglês!
Eu já era, então, adepto da chamada Pedagogia do Erro, a qual valorizava os erros e procurava ensinar a partir deles: — blá, blá…
Mas o moço era rebelde, como disse, torcido, conflituoso, nada predisposto a aceitar que tinha procedido muito bem ao aplicar o que parecia ser a regra, mas nas línguas abundam as excepções e aquela era uma delas…
Esforços baldados. Ele teimava que eram os Inglaterras, o pai exaltava-se e eu… bom, eu dei-lhes a ler o manual do professor e desci ao bar a tomar um café demorado, à espera que a crise se resolvesse em família.
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