No princípio deste século, chegou-me uma aluna chinesa, que nada sabia de Português. Os serviços do ministério de educação tinham-lhe dado equivalência ao 10 ano, a escola integrou-a numa turma, e lá ficámos nós, os professores, com o problema para resolver, sem qualquer apoio.
Já aqui contei, por alto, alguns episódios da minha experiência anterior no ensino a estrangeiros, mas este caso era completamente diferente, com completa ausência de meios e apenas uma hora semanal para trabalhar com a moça, até esse tempo repartido, pois juntaram-lhe outro aluno, esse português, mas com problemas de aprendizagem — que exasperava a colega com as suas dificuldades.
A aluna era muito inteligente, empenhada, e recorria constantemente a dicionário de bolso, nem sempre com proveito: a professora de Matemática ensinava que linhas paralelas são duas rectas apostas — e a aluna, participativa, após rápida consulta ao dicionário, logo colaborava: apostas, jogo, batota!
Paradoxalmente, no Português era pior: o programa de 10 ano incidia então, no primeiro período, em Camões, incluindo os seus poemas místicos. Eu via-me no papel de catequista, a tentar explicar a jovem urbana de país comunista conceitos bizarros como Céu, Inferno, versos como “o melhor de tudo é crer em Cristo”…
Mas a aluna era, como disse, inteligente, esforçada, bem disposta, e no final do período já era uma das melhores da turma. Vieram as férias de Natal, recomeçaram as aulas, logos demos pela ausência da nossa Ye, que até então nunca faltara.
Que se passa?, procurámos saber.
— A mãe tirou-a da escola porque é a única da família que fala Português e precisa dela na “loia”!
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