Estávamos nos anos 80, e o comboio tornava a minha escola muito procurada. Os professores vinham efectivar, ficavam dois ou três anos até conseguirem vaga mais próxima. De Coimbra ou de Lisboa, sem vontade de ver definhar a sua brilhante existência em vila de província.
Era chegarem, não raro atrasados, culpa do comboio, com justificação assinada pelo chefe de estação, aceite com a benevolência da direcção, que lhes retirava as faltas, “darem” as suas aulas, saírem à pressa, muitas vezes antes do toque, para apanharem o próximo comboio que os levava dali para fora, para a civilização onde podiam respirar de alívio e criticar pelos cafés a escola que era a sua, mas não sentiam como tal.
Isto quando a CP não estava em greve — maquinistas, ou pessoal de estação, ou revisores, ou outros, pouco importava. Não podiam vir à escola, falta de transporte.
A nós outros, que vivíamos a escola como nossa, embora nenhum fosse natural da vila, só nos restava resmungar contra tal desapego, incomodados com a imagem que passava para fora, todos os professores metidos no mesmo saco.
Até porque alguns pareciam não ter compreendido a mudança que acarretava terem passado de alunos a professores.
Lembro-me, por exemplo, de um, guedelhas desgrenhadas, barba por fazer, a correr pela sala de professores, abrir a janela, gritar para um aluno que passava no átrio:
— É pá, chama-me esse gajo!
O aluno, estupefacto, olhava-o sem compreender.
E o meu colega, a ver que perdia a boleia para a estação:
— Depressa, chama-me esse gajo... Aquele professor que vai além...
Pois é, a degradação do estatuto social da profissão começou em nós, começou por nós.
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