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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Ah, rapazes do meu tempo!

Às vezes, normalmente em funeral de familiar na aldeia, encontro colega da escola primária, daqueles que não vejo há mais de meio século. E não o reconheço. Por exemplo, o Fernando, que me conta que abandonou a escola na segunda classe, e foi trabalhar para forno de tijolo, como as crianças de Esteiros. Acrescenta com orgulho legítimo: ele, que a pobreza deixou semi-analfabeto, conseguiu dar destino diferente aos filhos: o rapaz, que me apresenta, é engenheiro e já está empregado, a filha termina Economia. 
Recordo outros colegas, uns mortos, outros desaparecidos na diáspora montense, que nos levou, a quase todos, a abandonar a aldeia natal. Sugiro um almoço para nos encontrarmos. A ideia não o entusiasma. 
Porque na minha aldeia todos andam mal com todos. Não se falam. Ódios ancestrais, conflitos de há décadas, mexericos, intrigas, questões de vizinhança. Diferenças de classe herdadas de outro mundo, em que aldeia estava dividida em "ricos", os que tinham muitas terras e empregavam servos, e "pobres", com umas leiras de seu, mas sempre dependentes dos primeiros. 
Emigração, acesso aos estudos generalizado, 25 de Abril, mudaram a aldeia, mas não as mentalidades.
Nem mesmo no funeral, nem mesmo no cemitério, quando a terra que o coveiro lança sobre o caixão devia fazer recordar a efemeridade da vida e sentir o ridículo das questiúnculas que nos dividem, se decidem a esquecer rancores velhos, para voltarmos, por minutos que sejam, àquele tempo em que éramos apenas nome próprio e alcunha de família, o Zé Chaparrinha, o Fernando Galfarro, o Zé Balias, o Zé Codicas, o Armindo Escabelado, e tantos outros, e corríamos descalços por vinhas nos jogos de "coque", tomávamos banho em pelota no açude, roubávamos fruta nos pomares, disputávamos ninhos, jogávamos à pedrada...
Éramos então poucos, somos hoje menos. Muito menos. Como mais ninguém o faz, vou eu organizar o encontro, correndo o risco de almoçar ou jantar sozinho -- porque este não vai se for aquele, ou nesse dia não pode, ou não tem interesse nenhum na companhia dos outros.
Agradeço contactos e sugestões.

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