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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Solas de sapatos e cancerígenos

Foi no Itau, café do Camões, aí por 1971, que me apresentaram aquele revolucionário: acabara de sair de Caxias, onde a Pide o detivera por largos meses. E ele, olhando em redor vigilante, sempre alerta, que os bufos estão por todo o lado, contava pormenores. Não fora submetido à tortura do sono. Nem à da estátua. Nem... Ah, mas fora torturado, muito torturado, a sua militância duramente posta à prova -- e, baixando a voz, tapando a boca com a concha da mão, contava: punham-lhe pó nos sapatos para as solas se romperem mais depressa!
Sem paciência para o continuar a ouvir, eu queria ir-me embora, ele não permitia; segurava-me o braço e continuava, continuava, a narração das sevícias que lhe estragaram uns bons sapatos em coisa de semanas!
Lembrei-me dele hoje, a ouvir Hugo Chávez: são os americanos que provocam o cancro nos presidentes sul-americanos! Acautela-te, ó tu, não-sei-como-te-chamas, do Irão!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O vazio

É o que sinto. Não me refiro à situação nacional, nem às minhas crenças. Não. É um velho sentimento, que me oprime de cada vez que termino um romance, como sucedeu hoje com o quarto. Neste momento, não tenho nem uma ideia, nem um projecto. Estou oco, desorientado. Amanhã agarro-me à agricultura. Assim, nem tudo se perde.
(Sem qualquer pena de mim, nem sequer dele, faço minhas as palavras do grande Eça: J'ai tant travaillé à ce roman!)

sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal

Cinquenta anos atrás, o meu Natal não tinha azevias, nem brinquedos: o Menino Jesus, pela calada da noite, desceria pela chaminé enfarruscada e deixaria num dos meus sapatos umas peúgas, talvez camisola de lã tricotada por uma prima mais velha. Ceávamos o mesmo do costume, talvez couves com feijões e batatas, talvez os seus restos em papas de milho adubadas com um pouco de toucinho frito, sentávamo-nos à lareira que nos queimava os pés e gelava as costas, a minha mãe fritaria umas filhoses (que a minha amiga Sandra me desculpe, mas a norma que se lixe), bem para a noite chegaria o meu pai, que trabalhava até tarde, talvez já bem bebido, e era tudo.
Nem televisão, nem internet, nem postais nem sms de bom natal, nem sequer família numerosa em volta de couves com bacalhau. Sem brinquedos, excepto aqueles que eu mesmo fabricava com barro, com canas ou com paus; sem jogos, excepto a bilharda, o "coque", os jogos de "cabóis", a fruta de pomares alheios de que nos apropriávamos pé-ligeiro, as lutas, à unha, à pedrada.
Sobrevivi: as dificuldades endurecem-nos. Nem por sombras invejei então os meninos que tinham, já naquele tempo, árvore de natal recheada de coisas boas; nem por sombras me envergonho hoje do meu passado humilde, duro, de uma pobreza honrada e digna, de que nem sequer tinha grande consciência.
A todos, especialmente àqueles que me enviaram ou enviarão ainda hoje sms e mails, desejo também, sinceramente, ardentemente apesar do frio, um Bom Natal. Que talvez nunca devesse ter sido feito de prendas caras, lautas refeições, votos como este, espalhados ao vento, antes da sua pobreza original...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Azevias

Ai estas azevias...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Na morte do "querido líder"

Este poema de Bertolt Brecht, pilhado aqui:
A propósito da notícia da doença de um poderoso estadista

Se este homem insubstituível franze o sobrolho
Dois reinos periclitam
Se este homem insubstituível morre
O mundo inteiro se aflige como a mãe sem leite para o filho
Se este homem insubstituível ressuscitasse ao oitavo dia
Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro.

(tradução de Arnaldo Saraiva)
RECOMENDAÇÃO, motivada pelas imagens de histeria colectiva das carpideiras coreanas: a leitura de Barranco de Cegos, de Alves Redol. Se bem me lembro (li o romance há uns bons 40 anos), até lá está o velho embalsamado. Se um cego guia outro cego, ambos acabarão por cair no barranco.

domingo, 18 de dezembro de 2011

sábado, 17 de dezembro de 2011

Presépio

Monsaraz.

Árvores de Natal


Não aprecio. Sinto-as como moda estrangeira, desagradam-me as bolas e luzes... Enfim, gostos. Mas estas, em Évora, agradaram-me:

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Partícula de Deus

Desconheço que razões terão levado os jornalistas a assim alcunharem o bosão de Higgs. O dito cujo, a existir, explicará porque é que muitas partículas têm massa, dar-nos-á uma resposta à velha questão "o que é o espaço", lembrará àqueles que recusam propostas abstractas da física teórica  que as evidências são difíceis e demoradas de conseguir por razões que os próprios teóricos explicam:
A proposta mais defendida tem sido a teoria das cordas. Não há, porém, nenhuma evidência experimental ou observacional para essa teoria que deverá descrever unificação de forças a energias extremamente elevadas. Para alguns a teoria das cordas é, por isso, uma teoria mais metafísica do que física.
A eventual descoberta do bosão de Higgs não provará nada que confirme ou infirme a existência de Deus, nem das Suas propriedades físicas ou metafísicas. Também eu aguardo ansiosamente pela confirmação da existência do "oceano" de Higgs, como gostaria de ver confirmadas ou refutadas outras das grandes esperanças depositadas nas experiências do acelerador do CERNE, o Large Hadron Collider: mini buracos negros, o gravitão, dimensões adicionais do espaço, multiversos... Mas Deus, com esse nome ou outro, não aparecerá como resultado das experiências. Nem o pó das suas sandálias.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Má vizinhanca

É o que se me oferece dizer da atitude da Coreia do Norte, tão incomodada com uma árvore de Natal no Sul que ameaça com "consequências imprevisíveis. Bem pode o povo norte-coreano morrer à fome, que a preocupação dos seus governantes está naquilo que os vizinhos e irmãos do Sul fazem. Enfim, todos os pretextos são bons para (ameaçar) começar uma guerra.

Coreias em 'guerra' por causa de luzes de Natal (Sol)

A Coreia do Norte advertiu a Coreia do Sul sobre «consequências imprevisíveis» caso esta acenda uma árvore de Natal gigantesca nas proximidades da fronteira com a Coreia do Norte.

Três reis magros

Presépio

Outro Natal, o mesmo encantamento.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Sandices na ordem do dia

Um gatuno morreu electrocutado num poste de média tensão a que tinha trepado para roubar o cobre; uma reformada protesta frente à câmara de televisão: o primeiro-ministro, antes de ser doutor devia ser agricultor; nos EUA, esterilizaram à força milhares de jovens ao longo de décadas por vezes por ordem de assistentes sociais; em Londres, marcha-se contra -- com esta, fiquei deveras espantado -- a depilação sexual e a cirurgia estética vaginal, que leva miúdas (uma delas com 11 anos) a submeterem-se a plásticas para corrigirem assimetria dos pequenos lábios --- a pagar, claro, pelo SNS; na Rússia,  protestam jovens ucranianas mamas ao léu --- receio que também sejam de plástico.
Enfim. Até o Alberto, com a conversa de que lhe devemos (nós, os continentais) 9 mil milhões parece andar grosso. Mais do que de costume.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Tesouros nacionais

Não temos, ao contrário dos nipónicos, "tesouros nacionais", estatuto atribuído a personalidades marcantes na vida do seu país. Mas ao ver Carlos do Carmo a cantar no Parlamento --- e não sou grande apreciador de fado, menos ainda de muito do que por aí se designa como tal --- dei comigo a comentar em voz alta: Tesouro Nacional; é o que ele devia ser. Por sorte, pouco depois, segui atentamente uma entrevista com Mário Soares. É sabido que não tenho especial simpatia por políticos e que, frequentemente, tenho discordado de Mário Soares; mas ouvi-o encantado, no saber e na lucidez dos seus oitenta e sete anos bem vividos. E, também a ele e no mesmo serão, o fiz Tesouro Nacional.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Representações do Natal

--- Que representa para ti o Natal?, pergunta a educadora ao Afonso.
--- Renas.
--- Mas tu nunca viste renas. Há a família, o amor, as prendas, o Menino Jesus, o Pai Natal...
--- E as renas.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Lágrimas de ministra

Já não é só o crocodilo a chorar pelas vítimas que devora. A ministra do trabalho de Itália imita-o:
Não me impressionou. Aprendi há muito que três coisas há que só as mulheres conseguem fazer: "mijar sem pôr a mão, chorar sem razão, ..."

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O respeito

Toda a vida me senti um garoto perante os homens da minha terra. Envelhecemos, eu e eles. Pode ser ilusão, mas parece-me que já não sorriem trocistas quando os cumprimento no adro da igreja ao passar no meu tractor a caminho das terras. Talvez comece a ganhar o seu respeito nestes tempos difíceis: afinal, sou dos poucos a labutar na terra, eles sabendo que não vale a pena, eu acreditando que vale sempre a pena quando a alma não é pequena...

1 de Dezembro

Comemorei o feriado trabalhando para o aumento da produção nacional de bens alimentares: semeei favas, ervilhas, preparei a terra para alhos e cebolinhas... Ao serão, desgrelei as batatas.
Que melhor local para estar que na minha Salgueira, onde a paisagem enche os olhos, a luz embevece e o ar dá saúde?