Cinquenta anos atrás, o meu Natal não tinha azevias, nem brinquedos: o Menino Jesus, pela calada da noite, desceria pela chaminé enfarruscada e deixaria num dos meus sapatos umas peúgas, talvez camisola de lã tricotada por uma prima mais velha. Ceávamos o mesmo do costume, talvez couves com feijões e batatas, talvez os seus restos em papas de milho adubadas com um pouco de toucinho frito, sentávamo-nos à lareira que nos queimava os pés e gelava as costas, a minha mãe fritaria umas filhoses (que a minha amiga Sandra me desculpe, mas a norma que se lixe), bem para a noite chegaria o meu pai, que trabalhava até tarde, talvez já bem bebido, e era tudo.
Nem televisão, nem internet, nem postais nem sms de bom natal, nem sequer família numerosa em volta de couves com bacalhau. Sem brinquedos, excepto aqueles que eu mesmo fabricava com barro, com canas ou com paus; sem jogos, excepto a bilharda, o "coque", os jogos de "cabóis", a fruta de pomares alheios de que nos apropriávamos pé-ligeiro, as lutas, à unha, à pedrada.
Sobrevivi: as dificuldades endurecem-nos. Nem por sombras invejei então os meninos que tinham, já naquele tempo, árvore de natal recheada de coisas boas; nem por sombras me envergonho hoje do meu passado humilde, duro, de uma pobreza honrada e digna, de que nem sequer tinha grande consciência.
A todos, especialmente àqueles que me enviaram ou enviarão ainda hoje sms e mails, desejo também, sinceramente, ardentemente apesar do frio, um Bom Natal. Que talvez nunca devesse ter sido feito de prendas caras, lautas refeições, votos como este, espalhados ao vento, antes da sua pobreza original...
A todos, especialmente àqueles que me enviaram ou enviarão ainda hoje sms e mails, desejo também, sinceramente, ardentemente apesar do frio, um Bom Natal. Que talvez nunca devesse ter sido feito de prendas caras, lautas refeições, votos como este, espalhados ao vento, antes da sua pobreza original...
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