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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Outonais

De um lado do rego, a terra revirada pela charrua, do outro o verdura dos cardos a exigir lavoira. Um pouco mais longe, à esquerda, a vinha, avermelhada pelo Outono, quase a despir-se para dormir no Inverno. Em baixo, a eira e a sua casa. Ao fundo, massa indistinta azulada pela distância, os pinheirais que ocultam da vista o mar. Ausente da foto, mas a pairar sobre tudo isto, o cheiro a terra amanhada, solidão e silêncio, brutalmente quebrado pelo trabalhar do tractor, a protestar contra o esforço de esventrar barro, de virar leivas, de pôr a raiz ao sol às ervas daninhas -- ou, como gosto de lhes chamar, mal situadas.
Depois fresei uma tira da terra lavrada, abri regos, semeie ervilhas, couve-nabo e  -- perfeita loucura! -- plantei batatas, que a geada seguramente queimará. Assim é a agricultura: um risco assumido, uma aposta frequentemente perdida. Mas, lá reza adágio da minha terra, "mais vale perder a semente do que a sementeira". E a alegria de semear em dia soalheiro até faz esquecer o desgosto que já deu, que provavelmente dará -- encontrar batatal queimado pela friagem matinal.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Corte na aldeia

Toca o telemóvel.
—  Queres almoçar amanhã connosco?
— Sim, com todo o gosto. Estou na aldeia, mas regresso logo à tarde, conta comigo.
— À uma, no Alto Pina.
— Sim, mas consegues estar lá a essa hora? Com este frio deves ter montes de doentes...
— Aparece à uma, vais-te entretendo com as entradas, que eu não demoro.
Vamo-nos juntando. Um engenheiro que rompeu com  o Partido Comunista após quarenta anos de militância. Um pára-quedista reformado, meio surdo das explosões da guerra da Guiné. Um industrial. Um ancião, sempre muito bem posto, que foi contínuo na primeira escola em que trabalhei, perfeito gentleman, hoje como então — para recolher os estênceis, batia à porta da sala de professores e antes de entrar sempre perguntava se os senhores professores davam licença. Um poeta e historiador, que foi presidente de conselho directivo dessa escola até se aposentar. Um advogado. O médico anfitrião. E este cronista, sempre agarrado à comida como a querer matar carências dos velhos tempos. E à bebida. Não ao "louro chá no bule fumegando", tão do agrado das pessoas finas, mas ao roxo tinto, que desde Homero faz as delícias dos poetas, escritores e amantes das letras.
De que se fala nesses almoços só de homens, sem jovens? Política, futebol, trabalho, sociedade, família? En passant. A acompanhar as entradas. Dos conhecidos? O necessário para saber — O que é feito dele, há tanto tempo que o não vejo! —  Pois encontrei-o na semana passada...
Dos velhos tempos? Apenas para recordar boas histórias, primorosamente contadas.
Dos dramas existenciais? Sim,  que não acreditamos em vida após a morte, nem nos alegra eventual reconhecimento póstumo, mas, mesmo assim, e apesar de tudo, teimamos em escrever poemas, textos, contos, romances, como se...  E todo o restaurante ri à gargalhada quando o poeta resume as glórias post mortem que nos aguardam: — A viúva vai ao cemitério pôr-nos flores, lá conhece viúvo também ele choroso, juntam-se...
O mais é o filme que apreciámos ou não, os livros, as crónicas do Lobo Antunes na Visão, a exposição de pintura do nosso amigo João Alfaro. Depois, mesa limpa de pratos e travessas, vem a poesia.
A voz do poeta embarga-se ao ler o seu  "In memoriam Do Amílcar Fialho" (para nós, o Padre Amílcar). Interrompe-o o industrial, com a rudeza a que a amizade masculina recorre para esconder as lágrimas:
— Dê cá isso, que você não sabe dizer os seus poemas!
...se ele pudesse
ainda estar aqui
com o seu coração do tamanho
das tasquinhas do mundo
com sua voz rouca de fumo e álcool...

Recordamos o padre falecido, homenzarrão pleno de força, vozeirão a trovejar pelos corredores da escola, impressionante de aspecto, bruto de modos — homem bom como poucos, amigo de ateus e de comunistas.
Depois, "Almondinas":

Dizem que o rio chora toda a noite
Nas lágrimas tombadas dos salgueiros.
(...)
Dizem que o rio canta toda a noite...
Ou são os pássaros que traz na voz
Que soltam o seu canto a perseguir o vento
E as pedras nuas da distância?
Almonda! Almonda! Almonda!
Um eco...
(...)
Senta-se connosco a proprietária do restaurante, mulher gira e simpática, a fazer as suas recomendações para a sobremesa. Doentes do médico vêm-no cumprimentar, chegam-se conhecidos, o farmacêutico da aldeia, delegados de informação médica. Puxamos mais cadeiras para a mesa, oferecemos hospitaleira a garrafa, aplaudimos as canções de jovens, engenheiros agrícolas e comerciais de empresa da região, que em mesa próxima tocam e cantam maravilhosamente.
Fora, o sol outonal, já baixo, estende longas sombras das árvores pelo pátio, a lembrar-nos que vão sendo horas de partir. Ainda prolongamos pelas despedidas conversas inacabadas, que a fria nortada obriga a abreviar. Retomá-las-emos no próximo almoço. 

NOTAS:
(1) Título roubado ao poeta leiriense Rodrigues Lobo.
(3) O verso "o louro chá..." é, toda a gente o sabe, de Correia Garção.
(2) O poema In Memoriam é do António Mário; Almondinas, de Maria Sarmento.

domingo, 24 de novembro de 2013

25 de Novembro

O triste Avalor

Mas de nenhuma parte chegavam notícias. O João procurou nas grandes cidades, nas pequenas, nas vilas e aldeias deste país, por lugarejos e casais. Telefonou para todas as terras onde tinha conhecidos, muitos deles da tropa, perguntando se por lá tinham visto mulher e criança com tais e tais características. Pediu os endereços e escreveu a emigrantes, em França, na Suíça, na Holanda, na Suécia, no Canadá, no Brasil, nos Estados Unidos. Em vão. Ninguém tinha visto a Berta, nenhum indício dela. Logo que teve uma pequena licença, passou dias e dias em embaixadas e consulados, dormindo no meu quarto de estudante, arrastando-me consigo na demanda, para o ajudar com os meus fracos conhecimentos de francês e de inglês. Nada. A Berta desaparecera deste mundo, como ameaçara fazer. 
Dia após dia, noite após noite, pensou em partir também ele, sem rumo, sem destino, numa busca incessante, qual Avalor procurando em barca à deriva a sua Arima — mas o Mundo é tão grande e o homem bicho da terra tão pequeno — e uma réstia da razão que nos despoja da grandeza dos homens de antanho impediu-o de se perder por esses caminhos fora, numa peregrinação incomparavelmente mais louca do que a volta a Portugal em que a conhecera...
Notas
(1) Para os mais esquecidos: Avalor e Arima  são personagem da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro.
(2) O fragmento pertence a um romance meu.

domingo, 17 de novembro de 2013

Chiqueda ou Chaqueda?

            Ensinava a minha professora da primeira classe — o que é a memória de uma criança! — que se podia dizer de ambas as formas. Lá vivi, nessa aldeia dos arredores de Alcobaça, entre os seis e os sete anos, lá volto de vez em quando, em busca de referências que se ajustem às imagens bem nítidas das minhas recordações.
            Em vão. Quase nada corresponde. Nem sequer encontro a casa térrea onde morámos, de pátio acimentado, a represa que me fascinava, a mim, que nunca vira tanta água, tão límpida, e nela nadavam rente ao fundo cardumes de peixes enormes — tudo então era enorme! — e cintilavam difusos ao passarem por redemoinho que se formava junto à conduta de madeira enegrecida que canalizava a água para a roda da azenha, de cujas pás escorria cantante para a vala que a levava de volta  ao ribeiro   onde uma manhã afoguei gatinhos, mandado pela minha mãe. Um deles, malha branca na cabeça, mais teimoso, nadou para a margem e eu, com a frieza dos meus seis anos, com uma cana empurrei-o de novo para a correnteza e a morte. Algo me deve ter tocado, ou a crueldade do acto, ou a resistência do gatinho, que ainda nem os olhos abria, para nunca mais ter esquecido o episódio. E nunca mais afoguei gatinhos…

            Lá está a estrada nova, que vi construir, cujo alcatrão derretido pelo calor do Verão se me colava aos pés descalços. A estrada "velha", por onde ia para a escola. Uma tarde, voltei atrás, apavorado com bicho, e a ninguém dizia o nome, os rapazes, supondo que era cobra, armaram-se com paus e pedras e acompanharam-me sem que eu confessasse que o bicho aterrador era simples libelinha, a que chamávamos tira-olhos, e eu fugira receoso de que me arrancasse os meus... Estrada velha onde vi noutra tarde rapazes que se divertiam a masturbar o longo pénis de um burro. Estrada onde surpreendi a garotada caminhando empoleirado em andas, que eu mesmo construí, a partir de descrição ouvida a meu avô, em ida à aldeia — e logo eles, invejosos, fizeram muitas, melhores, mais altas do que as minhas, mas eu desinteressara-me delas e fazia rodeiros com rodas de beterraba, que logo se desfaziam e dava aos porcos, às galinhas.
            Na frente da casa ficava a padaria, onde me enganaram pela primeira vez, levando pão sem pagar — pagaram-no os empregados, que eram os meus pais. Recordo o quarto onde, luz acesa, li e reli o suplemento de sábado do Diário Popular, Ria Connosco, intrigado com o desenho de uma sereia, a primeira que vi; ao lado, no divã, a minha irmã, bebé de ano, dormia tranquilamente sob o meu cuidado, consolada com o biberão de água com açúcar que lhe dera. Eu, inquieto, assustado, com a demora dos nossos pais tinha medo de adormecer, passavam as horas, e eles sem aparecer, eu sem saber deles!
            Era noite alta quando chegaram, tinham ido à terra na motoreta pensando demorar pouco, mas no regresso souberam que estava emboscado polícia da Viação e Trânsito na caça às multas — dois na motorizada, o que era proibido, a pendura sem capacete... E estava por pagar outra, trazia-me o meu pai na motoreta, e o polícia surpreendeu-nos numa curva junto à barragem da fábrica da Fervença, em vão lhe falou o meu pai ao sentimento: tinha-me levado à terra a ver os meus avós, tão pequeno não podia fazer a jornada a pé...

            Nada esqueci. Só não consigo encontrar a Chaqueda ou Chiqueda da minha infância, e ela, no entanto, está lá, irreconhecível sob as novas casas, desfigurada pelos arruamentos. Muito mais bonita, luminosa, com uma história em cada pormenor...

FOTO: azenha que não é a da minha infância, antes do restaurante onde casou a Sofia.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Os marretas

Há quem se compraza com as desgraças do quotidiano, embora não aparente ser muito afectado por elas. Quem gaste o tempo a afundar no pessimismo este pobre país, mesmo quando, como hoje, se ouvem e lêem umas notícias encorajadoras, daquelas que nos trazem algum alento, alguma esperança, ténue embora, após os anos negros em que temos vivido -- e os marretas vá de deitar abaixo, ansiosos para que tudo corra mal, como se o que estivesse em jogo fosse o governo ou as oposições e não este pobre Portugal.
Se gastassem a energia, que não lhes falta para a conversa, a fazer algo por si próprios, pelas suas famílias, pelos outros -- pela pátria -- aposto que muito mais depressa sairíamos do atoleiro. E até lá, o sofrimento seria menos penoso, não tendo de os ouvir de manhã à noite.

FOTO: uma das minhas lavoiras, hoje. O dia estava a pedir. A terra, de sazão: molhada, mas não encharcada. A charrua cortava-a como faca a manteiga. E eu, num dia tão lindo, em lado nenhum me sinto melhor do que a trabalhar na terra, em completo sossego, desligado do Mundo e dos seus profetas da desgraça. 
Como a retoma do crescimento económico, as sementeiras podem fracassar -- foi o que sucedeu na época passada. O tempo pode nem sequer me deixar semear. E todo o trabalho estará perdido.
Vale a pena tudo isto? Respondo com os conhecidos versos do poeta: "Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena."
Mas alma é o que falta ao povo, ao país...

sábado, 9 de novembro de 2013

O nosso dia de sorte

Tinha-me esquecido da greve nas escolas. Surpreende-me a chegada dos meus três netos mais velhos, pouco passava das nove da manhã, eufóricos, em algazarra ensurdecedora -- pobres professores!, penso frequentemente.
À porta, grita-me o Miguel (cinco anos):
-- Avô, hoje é o nosso dia de sorte!

Nos trinta e seis anos em que fui professor, fiz umas greves, outras não. Ponderava os motivos e as motivações. Num prato da balança, o pesado rombo no orçamento, o prejuízo para os alunos, sempre angustiado com a falta de tempo; no outro prato, a revolta, as frustrações, os ganhos possíveis, a solidariedade com os colegas...

E os alunos: -- Stôr, já decidiu se faz greve? Vá, faça lá!
-- Estamos atrasados, os exames estão à porta...
-- Faça lá, que depois a gente até estuda com mais vontade...
-- Tenham paciência, eu é que decido!
-- Mas decida bem. Já basta ainda não nos ter dado um único feriado!

Ouve-se dizer que uma greve para ter consequências tem de prejudicar muita gente. Talvez o mesmo aconteça com as greves dos professores. Mas deixam tanta criança feliz!

(NOTA: deixei passar o dia da greve e o do rescaldo antes de publicar este textozinho. Estou de fora, não quero que os colegas no activo pensem que os quero influenciar.)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O vedor

Foi a época em que renasceu o novo-riquismo, animado pelo volfrâmio dos fundos comunitários. Jipes. Viagens a lugares exóticos. Piscinas... 
Alma camponesa a minha. Sempre a duvidar de riquezas fáceis. Avessa a exibicionismos, incomodada com sinais exteriores de riqueza. Sempre do contra, sempre contra a corrente. Indiferente a conselhos sensatos:
-- Tens área, manda lixar a horta, faz mas é piscina! Fica-te mais barato comprares as couves e, já viste, uma piscina! Logo pela manhã um mergulho...
Eu objectava: piscina quer limpeza, manutenção... É trabalhosa, cara... Além do mais, não gosto assim tanto de água. E tinha a piscina municipal a dois ou três minutos de carro... Depois, nenhuma couve comprada tem o gosto das minhas, plantadas com as minhas mãos, regadas com o suor do meu rosto -- que, embora abundante, era insuficiente para a sede delas.
Pensei então fazer um poço. Recomendaram-me um vedor, ferroviário imponente, pela altura, pela largura:
-- Nunca falha! Em vez do forcado de oliveira, usa uma fita de aço. Acerta sempre! E até te cava o poço!
Vem o homenzarrão, percorre o quintal, braços estendidos a segurar a fita de aço torcida, que lhe chicoteia violentamente a enorme pança ao passar em certos sítios: 
-- Tem aqui água que não a gasta!
-- Funda?
-- A três metros.
Eu estava impressionado. E via-me já a regar copiosamente os mimos da Primavera, a fazer horta até no Verão... 
Decidi-me: -- Como é que se faz um poço? 
-- Compre as manilhas, basta noventa de diâmetro, que eu abro-o. Noventa centímetros é o suficiente para eu me mexer lá dentro.
Fiquei preocupado. O homem era gordo, era velho -- e se me morria a cavar o poço? 
-- Faço seguro por quantos dias? 
-- Para mim, não é preciso, tenho Caixa da CP. Mande lá vir as manilhas e depois diga alguma coisa.
-- E o preço?
-- Depois combinamos. O que é preciso é que ninguém fique mal.
Comprei as manilhas. Com uns dois metros de diâmetro, por via das dúvidas -- não queria o homem entalado lá em baixo. E mandei-lhe recados. Semana após semana. 
Cresciam-me orelhas de burro, longas, espetadas, ao ver, dia após dia, o meu quintal transmudado em estaleiro de obras, as manilhas a ocuparem quase toda a horta... Como me veria livre delas?
Sem saber o que mais fazer, fui procurar o ferroviário-vedor a casa. Não estava. A neta, mulher feita, quis saber o que lá me levava. Desabafei, contando a história -- e levei descompostura severa: se achava bem pôr homem daquela idade, doente do coração, a cavar poço; se não tinha vergonha... Tentei ripostar: ele é que se oferecera, nada me dissera do coração, demais a mais não trabalharia de graça, constara-me até que ele costumava abrir poços depois de despegar da CP...
Pior. A culpa era de malandros como eu, que o desencaminhavam, roubando-o ao descanso, afastando-o da família, dos netos. Abalei deselegantemente, de orelhas caídas, para não ouvir mais reprimendas. A moça tinha razão, quem me mandara dar ouvidos a velho gabarola?
O poço? Pois não sabendo de mais ninguém que o abrisse, deitei eu mãos à obra. Com as minhas mãozinhas delicadas de professor. Afinal, era só cavar, cavar... E retirar a terra, coisa que um homem não pode fazer sozinho. Valeu-me a ajuda de familiares e amigos, sempre prontos a dar uma mão, as duas neste caso, em cada uma das minhas ideias malucas.
Tinha os meus trinta e seis anos, muita força de vontade e alguma força física, eles eram rijos e tenazes, por todos lá afundámos o poço até aos sete metros.
Água? Um veiozinho por nascente, que secava em Maio... A convencer-me de que o vedor acertara em cheio: eu não conseguia gastar a água que havia por debaixo do solo!

FOTOS:
1. As manilhas no quintal.
2. A escavar o poço. Nota-se, por detrás de mim, alguma humidade nas manilhas -- a prometida água, tão abundante que a não gastaria.
3. Petisco para os trabalhadores. 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

As notícias interessantes

A meio da semana, a meio da manhã, o rapaz surpreende a avó com visita inesperada. Olha em volta, e não o vendo, logo pergunta pelo avô.
-- Saiu, foi lá abaixo, à cidade, na motoreta... Hoje não trabalhas?
-- Ele demora?
-- Foi comprar o jornal, deve estar por aí a aparecer. O pior é se encontra este, se encontra aquele, um copito aqui, um copito ali...
-- E eu com tanta pressa! Vim numa correria, é só falar com o avô, e vou-me logo embora. Tenho uma novidade para contar. Mas primeiro tem de ser ao avô. Se quiser, pode ouvir, mas primeiro é a ele.
A espera prolonga-se. Impacienta-se o moço, angustiado com a lenta passagem do tempo, que acompanha de minuto a minuto no smartphone:
-- E se eu fosse ver do avô?
-- Sabes que ele não gosta. Está sempre a dizer: um homem só se procura ao fim de três dias.
Ouve-se finalmente o traque-traque da motoreta. O rapaz corre ao portão, sim, é o avô que regressa, inconfundível silhueta azul operário, capacete estilo penico. Vem com pressa, cumprimenta o neto a despachar, logo faz tenção de seguir para o seu refúgio, o barraco junto ao galinheiro, ansioso por ler no seu sossego as desgraças do dia, ainda a escorrerem sangue das parangonas vermelhas do Correio da Manhã. O neto segue-o, tenta captar-lhe a atenção:
-- Avô, vim cá de propósito para falar consigo, não quis que soubesse por outra pessoa, quero que seja o primeiro a saber...
O avô detém-se, levanta os olhos da primeira página, corta rude o arrazoado, impaciente com as delongas.
-- Saber o quê?
-- Vou ser pai...
-- E o que é que isso me interessa?
Aliviado como se se tivesse livrado de moscardo de zumbido incomodativo, segue para o seu refúgio, a inteirar-se com calma daquilo que é verdadeiramente interessante: os assaltos a residências, os crimes horrendos, os abusos revoltantes, por fim, o futebol, à maneira de sobremesa. Depois, consolado, fechará o jornal e irá ver de almoço...

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Culpa do Halloween

Roubaram a única abóbora da minha produção!