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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Entrega das prendas

Na televisão, O Gonçalo, participando via Net a partir do Dubai. Longe de nós, mas sempre bem presente.
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A chegada do Pai Natal

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domingo, 20 de dezembro de 2009

O presépio


Enternece-me a história de um menino pobre, filho de um humilde carpinteiro, nascido num estábulo, em companhia de animais de trabalho que o aquecem com o próprio bafo. Não conheço muito de religiões, mas quantas haverá que fazem nascer o seu Deus em tamanha miséria e desconforto? Vindo ao mundo para trazer a paz e a concórdia, para nos ensinar a amar o próximo? (Graças a Ele, imagens como esta não decorrem da aplicação da lei no mundo cristão.). Por isto, por muitas outras coisas, como o amor àquelas tradições que não causam mal nem sofrimento, fazemos o presépio. Compro o musgo, procuramos as figuras, colam-se as decapitadas, a Ana e o Afonso dispõem-nas, e está feito. Sem luzes a piscar, nem efeitos especiais. Apenas um presépio tão humilde e tão mal amanhado como terá sido o original.



Veja-se a devoção dos meus netos! O Afonso ajoelhado, o Miguel até faz flexões! Apanha o irmão mais velho distraído e surripia os galos: -- Có-Có..., vai dizendo, e logo acorre o Afonso, justiceiro: --- Miguel, não é para mexer, é só para ver!

(Clicar nas fotos para ampliar)

Tempo para palrar, tempo para governar

Ligo a televisão e vejo um dirigente queque PS, como agora parece ser moda, sumidos que estão os homens e mulheres de tomates que honraram o PS de antanho, a debitar com voz efeminada umas ameaças ao presidente por ter reduzido a grande vitória casamenteira da esquerda larila à sua real insignificância. Não votei em Cavaco, mas é o meu presidente. Aos dirigentes socialistas que se não sabem calar num momento em que já se prevê um aumento do desemprego para 15%, só posso dizer:
-- Pá, agora que já se podem casar, tratem mas é de governar.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O Miguel e o avô

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Como um cidadão se torna arguido

Não tenho nada, nem sequer uma simples multa de estacionamento, no cadastro. Mas aprendi hoje que tentar validar uma licença de uso e porte de arma de caça caducada, indo por iniciativa própria à polícia, torna o cidadão (responsável, mas distraído com o tempo) arguido, com termo de identidade e residência, arma e licença apreendidas, até que o tribunal decida o que lhe fazer. Tenho a caçadeira desde 1982, tempo em que caçava, obrigado pela minha cadela setter, a Lisa, na foto, que em dias de caça -- ela sabia quais eram -- me acordava alta madrugada e não mais me dava sossego até que estivéssemos no campo, ela parando codornizes, eu errando-as umas após outras. Quando a Lisa morreu, arrumei a espingarda e pude passar as manhãs de domingo na cama. De cinco em cinco anos, telefonavam-me, primeiro da câmara municipal, depois da própria polícia, lembrando que a licença estava prestes a caducar, e prontamente pedia outra. Até que estas mordomias acabaram. E hoje, eu, que nunca cometi qualquer delito, entrei  sem proveito material nem glória mediática para o rol dos VIPs --- por ter deixado caducar uma licença. No mínimo, aguarda-me multa pesada. Mas, mesmo assim, sei que continuarei a não saber que dia do mês é hoje, a esquecer-me do ano em que estamos... Tempus fugit.
ADENDA:

A Lisa e eu, às vezes, caçámos alguma coisita. Perdizes, codornizes, galinholas, raramente coelhos, que ela detestava-os.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Não acerto uma!

Gosto muito de ler poesia. Não me fico pelos consagrados. Sempre que posso, passo os olhos por sites de amadores. Neles, de vez em quando, raramente, há uns versos que me seduzem, pela originalidade, pelo ritmo, pelo conteúdo, embora, quase sempre, sinta que falta algo ao poema para que esteja acabado. Então, humildemente, elogio o texto, acrescentando, quase como quem não quer a coisa, que com um pouco mais de trabalho... Trabalho porque, sinto-o, a inspiração está lá, e toda a vida tenho repetido o dito de Paul Valéry: "perfection, c'est travail".
Ainda não encontrei poeta que me perguntasse o que é que falta no poema, o que mudar, como melhorar. É impressionante a segurança que manifestam, a certeza que os anima, a convicção de que qualquer crítica que vá além do elogio hiperbólico é apenas uma opinião, que se perde entre numerosos encómios.
Impressionante. Quase os invejo, eu que revejo dezenas, centenas de vezes os meus textos, e continuo insatisfeito. Que, quando estou prestes a terminar um romance, acordo de noite a ver passar, uma a uma, cada frase, cada palavra, sempre procurando melhor solução  -- eu sei, parece mentira, e posso garantir que esta obsessão não é fonte de qualquer prazer. É a escrita, como a concebo, como a vivo, tortura diária e inglória. Felizes aqueles que se contentam com glória fácil, que a colhem com a naturalidade de um fruto maduro que lhes cai nas mãos.

Mas ocorre-me também que pode haver outras explicações para esta obstinação poética. Por exemplo, a vaidade. E socorro-me de um dos meus livros favoritos:
"O segundo planeta era habitado por um vaidoso:
-- Ah! Ah! Aí vem um admirador visitar-me! exclamou de longe o vaidoso, mal avistou o principezinho.
Porque, para os vaidosos, os outros homens não passam de admiradores.
(...)
Mas o vaidoso não o ouviu. Os vaidosos só ouvem os elogios."

Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho

Aquecimento global

Mau tempo: 10 distritos do Norte e Centro em alerta amarelo devido ao frio, chuva e neve

15 de Dezembro de 2009, 19:08 Aqui
Para reflexão séria sobre o título deste post, ler aqui a polémica entre especialistas na matéria.
Veja-se também isto, hoje (negrito meu):
"O erro de Al Gore lança novas dúvidas sobre a cimeira, numa altura em que existe uma enorme controvérsia em torno do "Climategate": centenas de emails de cientistas ligados a um dos principais órgãos britânico de estudo das alterações climáticas, que foram apanhados por "hackers" e veiculados por toda a Internet, sugerem que existiu manipulação de dados no sentido de reforçar o argumento de que a actividade humana está a provocar o aquecimento global." in Jornal de Negócios Online

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Romanceiro


Releio o Romanceiro e maravilho-me com a perfeição dos textos. Nem uma palavra supérflua, nem uma explicação escusada -- é ao leitor que cabe proceder às ilações. Veja-se este primor de erotismo, de psicologia feminina e masculina, em que o caçador gabarola acaba caçado pela fina lebre que em três horas de corrida não chegou a cansar:
ALBANINHA
— «Albaninha, Albaninha,
A filha do conde Alvar!
Oh! quem te vira Albaninha
Três horas a meu mandar!»
— «Pouco tempo são três horas,
Mas vem depois o contar.»
— «Usança de maus vilões
Nunca a eu soubera usar.
Com esta espada me cortem,
Com outra de mais cortar,
Donzela que em mim se fie
Se eu disso me for gabar.»
Inda bem manhã não era
Já na praça a passear;
Aos três irmãos de Albaninha
Se foi de braço travar:
— «Esta noite, cavaleiros,
Sabereis que fui caçar;
Em minha vida não tive
Noite de tanto folgar.
Era uma lebre tão fina
Que nunca vi tal saltar:
Com três horas de corrida
Não a cheguei a cansar!»
Disseram uns para os outros:
— «Bom modo de se gabar!
Será de nossas mulheres?
Das irmãs nos quer falar?»
Responde agora o mais moço
Discreto no seu pensar:
— «Não vedes que é de Albaninha,
Que o traidor quer difamar?»
Foram os três para um canto,
Puseram-se a aconselhar;
Diziam os dois mais velhos:
— «Vamo-la nós a matar?»
E o mais moço respondia:
— «Vamo-la nós a casar?»
— «Sim! e o dote que ela tem.
Nós o temos de pagar.»
Vão ao quarto de Albaninha,
De voda a foram achar;
Duas aias a vestiam,
Duas a estão a toucar.
— «Albaninha, Albaninha,
A filha do conde Alvar!
As barbas de teu pai conde
Que bem lhas soubeste honrar!»
— «As barbas de meu pai conde
Tratai vós de as honrar,
Pagando-me já meu dote,
Que agora me vou casar.»

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pão, pão

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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Dos professores

Recomendo a leitura deste texto. (E depois, de todo o blogue De Rerum Natura).

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Cores do Outono

"Outono de seu riso magoado"
(Camilo Pessanha)
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O TeX

Por exigência do Reinaldo, aqui vai o TeX. Também ele adora ir aos Montes.
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Aguardente

Montes. Na queima da borra e de restos, não azedos, de vinho. A aguardente resultante servirá para fazer o abafado, para envelhecer; a de pior qualidade, aproveito-a para desinfectar vasilhame e assar chouriço.
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Terceira reimpressão de Entre Cós e Alpedriz


Afinal, não está tudo na me'ma. Uma encomenda chegada hoje obrigou-me a fazer terceira reimpressão de Entre Cós e Alpedriz, uma vez que me restam apenas 8 exemplares das tiragens anteriores. Vantagens do Print on Demand: tiragens à medida das encomendas, a preços compensadores.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Tudo na me'ma

"Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dũa austera, apagada e vil tristeza"
Os Lusíadas, Camões

Tudo na me'ma

"Cruges, depois de um silêncio, rosnou encolhendo os ombros: — Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma
representava?
— E se o Ega fizesse um belo livro, quem é que lho lia?"

Os Maias, Eça de Queirós

domingo, 29 de novembro de 2009

O Miguel


(Clicar na foto para ampliar)

O Afonso e o Miguel


(Clicar na foto para ampliar)

Queratocone

Eu tenho. Passo a citar (extraído daqui), negrito meu:
"Devido ao formato irregular da córnea, pacientes com keratocone/queratocone são frequentemente míopes e têm um alto grau de astigmatismo, que não se corrige com óculos."

Pois é. Não se corrige com óculos. No meu caso, é com lentes de contacto. Que cada vez custam mais a aguentar, facto a que não são alheias as condições de trabalho nas nossas escolas, em que as salas são aspiradas quando o rei faz anos --- não estou a exagerar --- e os filamentos dos plátanos, que clubes da floresta plantaram anos atrás para criar espaços verdes, saturam o ar. Mas o pior, o pior, é passar a vida a ouvir sentenças sábias, aconselhando-me a usar óculos, ou, se digo que com eles não vejo o suficiente, a visitar o oftalmologista porque a graduação não está correcta, isto sempre dito com a convicção de quem tem tanta certeza no cagar que não erra o chão. Recomendou-me, anos atrás, um oftalmologista que explicasse o meu problema a colegas e alunos. Assim fiz. Mas uns e outros querem lá saber? Se têm a certeza de que é tudo uma questão de óculos!
Imagine-se então a situação quase diária em que choro como Madalena arrependida com dores e ardores e chega colega bem intencionado(a) e faz o favor de me dar mais uns conselhos sábios. Ah, só me ocorrem os versos do António Botto:
"Arrancam-me as penas
E eu sofro sem dizer nada:
- Sou ave
Bem educada.
"
Porque se não fosse...

(FOTO: os meus lindos olhos.)

Da falta de rigor

Incomoda-me a falta de rigor noticioso, como se as aproximações fossem suficientes. Não se espera que os jornalistas saibam tudo, mas não seria nada mau se soubessem que devem confirmar a exactidão do que escrevem. Por exemplo, leio no DN Portugal o seguinte:
"Abordado por dois agentes da PSP, o caçador, de cerca de 40 anos de idade e armado de uma caçadeira de 12 milímetros, recusou ser multado, fugiu e barricou-se num armazém nas proximidades,"
Aposto que não era uma caçadeira de 12 mm, mas de calibre 12, o que é completamente diferente. 
Com este rigor informativo, que crédito se pode dar às notícias que diariamente inflamam o país?

sábado, 21 de novembro de 2009

Treino de Karaté

Hoje, 21 de Novembro, em Paredes de Coura, dirigido pelo sensei Vilaça Pinto (1º à esquerda.
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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Último conto meu -- III (1ª parte)

 (NOTA: ler abaixo as secções I e II; devido à sua extensão, neste post publico apenas a primeira parte da secção III; para ler o conto na íntegra (14 pp.), vá passando por cá...)

"Li, casualmente, a notícia no jornal do dia seguinte. Pouco mais adiantava, para além de dados pessoais, idade, profissão, hora da ocorrência... Não se pode dizer que fôssemos amigos, pelo menos no sentido que a minha geração atribui à palavra amizade. Mas éramos conhecidos de longa data e, por estranha coincidência, tínhamos até almoçado juntos nesse dia fatídico.

--- Eleutério! Tu por aqui?, gritou-me, vendo-me entrar no restaurante.

Aparência bem cuidada --- desconfio que pintava já o cabelo --- fato completo, gravata a condizer, sapatos reluzentes, sempre bem aprumado, irradiava auto-confiança, como se espera de um mestre de karaté e, sobretudo, de um vendedor de seguros.

--- Qual vendedor, qual quê! --- protestava. Peritagens. E dava-me um cartão. --- Podes precisar.

Meneei duvidosamente a cabeça.

--- Que comes?, perguntava, apontando o menu. --- Olha, vou entregar uma proposta de indemnização à dona de um restaurante em Campolide, assaltada na semana passada. Entre roubo e estragos, mais de quatrocentos contos, exactamente dois mil cento e catorze euros, segundo a declaração da senhora. Sabes quanto é que lhe vou oferecer? Olhava-me interrogativamente, convencido de que eu ansiava por dar palpite.

Acabei por condescender: --- Para aí uns mil euros, mais coisa, menos coisa.

Abanou negativamente a cabeça, sorriso de comiseração para com tanta ingenuidade:

--- Até tenho vergonha: a proposta que lhe vou fazer é de (e retirou-a da pasta, para que eu a visse bem, autenticada pelo logótipo da firma ao alto) e leu, afastando o papel até à extensão máxima dos braços para evitar pôr os óculos ''de velho'': --- Duzentos e quarenta e sete euros!, concluía, lançando-me olhar triunfal.

--- Que ladroagem! Primeiro os gatunos, depois vocês!

--- É para tu veres como são estas coisas. Receio até que a senhora me bata quando lhe entregar a proposta, dizia, enquanto a arrumava cuidadosamente na pasta.

--- Ora, umas palmadas não devem afectar um mestre de karaté...

--- Claro que não. E dadas por moça gira como ela, são festinhas. Mas custa-me passar por estas situações. São humilhantes para nós dois, eu a oferecer uma esmola, ela roubada, como tu dizes, duas vezes, e a ter de aceitar uma miséria ridícula para não ficar sem nada.

Comíamos e conversávamos, passando dos escândalos financeiros à corrupção dos políticos, ambos convencidos de que vivemos num mundo canalha, cada qual querendo rasteirar o próximo, os poderosos sempre impunes, nós condenados ao cumprimento da lei e ao pagamento das multas, sem amnistias nem perdões fiscais... Eu sei: é uma maneira mesquinha de ver a vida, chamando a nós os meritozinhos e culpando os outros das nossas desgraças. Mas é muito reconfortante. No tempo de Homero, a fazer fé nas suas epopeias, a culpa era sempre dos deuses, que chegavam ao ponto de se metamorfosear em humanos para cometerem crimes que depois desgraçassem os inocentes. Hoje, sem deuses, temos de imputar responsabilidades aos mais poderosos, senão como explicar o seu sucesso e o nosso fracasso, se somos tão dotados como eles, igualmente esforçados --- mais, até, que singramos na vida sem esquemas, compadrios, corrupção?

Se há pandemia de gripe é porque as multinacionais a fabricaram, conforme o vídeo de um cientista ressabiado que circula na Internet, se há guerras é porque os americanos têm armas para vender, se o desemprego aumenta é porque os patrões despedem, na sua ganância desmedida, aproveitando a crise para aumentar os lucros, indiferentes ao sofrimento daqueles que mandam para o desemprego...

--- Mas falemos de coisas melhores, propunha o Jorge, tendo já sovado devidamente governantes e governados: --- A minha pequena vai cantar na televisão.

Surpreendo-me: --- Mas ainda é uma criança, não é?

--- Há quanto tempo a não vês?

--- Aí há uma meia dúzia de anos... Suponho que tenha agora treze ou catorze...

--- Dezasseis. Uma mulher feita, com tudo no sítio e bem a preceito. Um borracho de fazer virar a cabeça na rua. A mãe e eu não lhe podemos afrouxar a rédea, ou nem imaginas!

--- Sai ao pai?

--- Pior, bem pior. Com a idade dela eu portava-me bem.

--- Pois, não tinhas outro remédio...

O Jorge, inchado de orgulho, expunha os planos de carreira artística da moça, os quais não passavam pelo Conservatório, nem pela escola, nem por qualquer forma de prosseguimento de estudos. Era o sucesso imediato que pai e filha queriam, cientes de que havia que tirar todo o partido da frescura efémera da juventude, estar um passo, pequenino que seja, à frente da concorrência, interessar produtores e compositores, para depois, navegando já nas águas tranquilas do sucesso, curar então de completar a formação escolar precocemente interrompida: --- Sabes, agora há as Novas Oportunidades, também pode, em qualquer altura, tirar um curso numa universidade privada, basta ter 23 anos para entrar, pagar as propinas para passar, ainda mais sendo vedeta a prestigiar a instituição..."

Último conto meu -- II

Uma cabeça de puto mulato enfiou-se pela janela do carro adentro, braço escuro e tatuado encostou-lhe revólver ao peito e ouviu-se em português acriolado ou crioulo aportuguesado: --- Num te mexe, meu, ou te queimo!

Enrolado na companheira, o Jorge apenas pôde rodar a cabeça para o assaltante e, querendo concluir a preceito a obra em curso, limitou-se a dizer algo como: --- Desaparece, pá!

O estrondo do tiro estoirou-lhe os tímpanos no exacto instante em que o projéctil lhe rebenta o peito, perfura o coração, golfando a jorros sangue quente e viscoso sobre a mulher que até há poucos segundos atrás o cavalgava impetuosamente. Terá ainda ouvido o puto mulato a gritar vaidoso:

--- Já queimei um! Malta, vamos bazar, que já queimei um!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Último conto meu - I


Uma única bala acabou com a vida de Jorge Pinheiro, e em circunstâncias deveras impróprias, que o condenaram a rápido esquecimento pela família. Tudo se passou em escassos segundos, sem testemunhas oculares, de uma forma que só a confissão do criminoso ou o testemunho do defunto poderiam esclarecer cabalmente. Excluída a primeira hipótese, pois a polícia jamais identificou o assassino, e descartada a segunda, pela dificuldade que há em encontrar médium competente nestes tempos de cepticismo, resta o depoimento deste cronista, testemunha de alguns dos acontecimentos, nos quais acabou envolvido, bem contra a sua vontade, completados com pormenores que, verosimilmente, terão ocorrido. Foi assim."

Inédito meu. Imagem retirada, com a devida vénia, daqui.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Entre cuidado e cuidado*

"(...) Semana após semana, ao chegar vindo do quartel, esperara encontrar a casa aberta, arejada, habitada, a Berta nos seus afazeres domésticos, a filha dormindo tranquilamente. Então bateria à porta, humildemente pediria para entrar e conversar, talvez se reconciliassem e acabassem na cama, amando-se outra vez, ou, se mulher continuasse zangada, sem sequer lhe falar, limitar-se-ia a ficar, contemplá-la, servi-la naquilo que deixasse, aguardando que lhe perdoasse.
Mas o mofo sobrepunha-se já aos cheiros a bebé, a pão, a comida cozinhada, ao próprio odor da Berta, tão peculiar, que o João sempre conseguira distinguir entre todos os outros; então, tristonho, cabisbaixo, deprimido, deixava-se ficar, sem cozinhar, sem comer, com vergonha de recorrer à casa paterna, pai e mãe desgostosos com a situação do filho, acabrunhados com a murmuração do povo, incapazes de conter remoques, ralhos e conselhos:
--- Bem te avisámos!
--- O que é que esperavas, casando à pressa com uma sopeira que mal conhecias?
--- Devias mas era ter-lhe chegado a roupa ao pêlo! Se lhe tivesses derribado uma asa, não poderia fugir assim, ainda por cima levando a tua filha!
No domingo, regressava cedo ao quartel, para nova semana de tortura, entre a esperança de que a Berta regressasse entretanto e o receio de que tal não acontecesse; entrementes, por todos os meios ao seu alcance, procurava-a incessantemente, sofridamente, e muitos daqueles a quem se dirigia apiedavam-se da sua dor, rara em homem daquela época, mais propenso a violências e a maus tratos do que a desgostos amorosos.
Ganhou coragem e voltou à Pensão Estrela, ciente da fúria e dos ralhos com que dona Noémia o receberia. Chorou-lhe depois no regaço, comovendo-a e dispondo-a a ajudá-lo; mas pouco lhe soube adiantar, salvo que a Berta por lá passara com a filha num braço, a sacola da roupa no outro. Emprestara-lhe dinheiro e ela seguira o seu caminho nessa mesma tarde, surda a rogos e a conselhos, recusando-se mesmo a pernoitar na pensão, receando talvez que a sua decisão enfraquecesse ou o João a perseguisse.
--- Procura a professora, aconselhou. --- E, se encontrares a tua mulher, tem juízo: não é com vinagre que se apanham moscas, toda a gente o sabe, ou deveria saber.
A professora recebeu-o friamente e só à vista de lágrimas sinceras se prontificou a contar-lhe o pouco que sabia: a Berta procurara-a, pedira-lhe, também a ela, dinheiro emprestado para recomeçar a vida bem longe do marido, que não queria voltar a ver, embora, admitia, muito gostasse dele. Era até possível que tivesse fugido para o estrangeiro, com um qualquer grupo que desse o salto. E mais não sabia...
Rogou por informações sobre possíveis paradeiros, direcções seguidas, mesmo que fossem meros palpites, contanto que permitissem saber se a deveria procurar a Norte ou a Sul, em cidade ou aldeia, em Portugal ou no estrangeiro. Mas também a professora não sabia...
--- E eu não posso desenfiar-me da tropa durante a semana, seria dado como desertor!
Apieda-se a professora, como dona Noémia se tinha já apiedado, mas só pode dar-lhe esperanças insinceras: que a aguarde, talvez acabe por regressar, diz, depois pensa melhor e acha preferível desenganar o João: a Berta tinha ouvidos fechados a conselhos, estava decidida a abandonar marido, país até...
--- Então acha que foi para o estrangeiro?
--- É provável. Ou talvez ainda esteja em Lisboa ou no Porto à espera de o conseguir fazer. Disse que queria ir para tão longe que nunca mais a encontrasses. Bem lhe falei na vossa filha, na vida familiar que estavam a começar, no amor que parecia existir entre vocês --- tudo isso acabou, respondeu-me. Que duvidavas da paternidade, logo nunca aceitarias a criança como tua filha; que --- e olhava reprovadoramente o João nos olhos --- lhe tinhas batido...
O João reconhecia toda a verdade nas acusações, baixava os olhos, cabisbaixo e envergonhado, nem perdia tempo a tentar justificar-se, alegando que, mais uma vez, fora a Berta a agredi-lo e daquela vez, saco cheio, não se contivera e respondera; infelizmente a cólera cegara-o e não se ficara apenas pela bofetada de troco, acrescentando mais duas ou três por conta das dívidas anteriores... Agora queria reencontrar a Berta, ou, pelo menos, saber se estava bem, se precisava de alguma coisa, ajudá-la como pudesse, se ela aceitasse, e aguardar o perdão, mesmo que demorasse.
Mas de nenhuma parte chegavam notícias. O João procurou nas grandes cidades, nas pequenas, nas vilas e aldeias deste país, por  lugarejos e casais. Telefonou para todas as terras onde tinha conhecidos, muitos deles da tropa, perguntando se por lá tinham visto mulher e criança com tais e tais características. Pediu os endereços e escreveu a emigrantes, em França, na Suíça, na Holanda, na Suécia, no Canadá, no Brasil, nos Estados Unidos. Em vão. Ninguém tinha visto a Berta, nenhum indício dela. Logo que teve uma pequena licença, passou dias e dias em embaixadas e consulados, dormindo no meu quarto de estudante, arrastando-me consigo na demanda, para o ajudar com os meus fracos conhecimentos de francês e de inglês. Nada. A Berta desaparecera deste mundo, como ameaçara fazer.
Dia após dia, noite após noite, pensou em partir também ele, sem rumo, sem destino, numa busca incessante, qual Avalor procurando em barca à deriva a sua Arima --- mas o Mundo é tão grande e o homem bicho da terra tão pequeno --- e uma réstia daquela razão que nos despoja da grandeza dos homens de antanho impediu-o de se perder por esses caminhos fora, numa peregrinação incomparavelmente mais louca que a volta a Portugal em que a conhecera..."
Um amor inventado (inédito), cap. XIII
*Verso de Bernardim Ribeiro

domingo, 15 de novembro de 2009

Cata-vento


"Quando o Sol logra romper por entre as nuvens, brilham as paredes brancas das casas das encostas serpenteando por entre as colinas verdejantes, vermelhos os telhados — e acima de todas elas, sobressai a torre da igreja, encimada por pára-raios agressivamente virado para o céu, servindo de eixo a cata-vento em forma de galo orgulhoso, bico sempre apontado para barlavento, cauda larga para sotavento.
Do galo se diz que é inconstante como a aragem que o faz rodar, mas se o observarmos sem ideias pré-concebidas, dia após dia, ano após ano, melhor ainda, se o pudéssemos acompanhar vida após vida, concluiríamos, como eu próprio já concluí, que também ele tem as suas querenças, visto que, podendo apontar em qualquer direcção, o vejo de manhãzinha olhando para Nascente, como se também ele, na sua mudez férrea, quisesse saudar o nascer do Sol, ou o cacarejar que vem dessa direcção lhe animasse uma qualquer molécula orgânica, depositada pelos pardais oportunistas que o usam como poleiro, sujando-o indecorosamente...
A mim, que raramente termino aquilo que começo, volúvel como o vento, de tal forma que já troco barlavento com sotavento, consola-me este amigo de outros tempos, testemunha muda de homens e de ventosidades, que tanto sabe e tudo cala, apenas preocupado em proteger a cauda do desconforto, o olhar impassível fitando o infinito. Que ele me valha nesta narração, orientando-me para os protagonistas certos, inspirando-me a seguir a direito, sem desvios nem divagações, e, sobretudo, sem verborreia que se pegue ao texto como excremento de galinha às botas do criador."
Inédito meu -- início

(FOTO: cata-vento da igreja do Carreiro da Areia)
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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Final de Do Lacrau e da Sua Picada

Eis o final do meu primeiro romance. Imagem de João Alfaro

"Ao fundo, de costas para o Lis, atrás de uma mesa tosca, sem funil nem megafone, estava de pé um homem de boina, aspecto de cavador. Sobre a mesa, em duas caixas de sapatos, escorpiões agitavam caudas e tenazes em tentativas frenéticas para fugir do cativeiro. Sempre que algum o conseguia, caindo sobre a mesa, as mãos encortiçadas do curandeiro seguravam-no, pegando-o entre o polegar e o indicador. Então levantava-o à altura dos olhos, deixava o medo e a repugnância crescerem entre a assistência, e voltava a colocá-lo na caixa de onde se evadira.
As pessoas aproximaram-se, mas não demasiado, e observavam, curiosas e horrorizadas, os homens tecendo comentários sobre o que sucede à pessoa que tem a desdita de ser picada pelo ferrão de semelhante bicho, as mulheres apertando os filhos pequenos ao peito ou, se mais crescidos, agarrando-os firmemente pela mão para que a curiosidade juvenil os não fizesse aproximar demasiado, advertindo-os firmemente sobre os perigos deste inimigo da humanidade, eles e elas recordando o velho aforismo: Se o lacrau voasse e a víbora visse, não havia ninguém que no mundo existisse.
Quando a multidão se adensou, o curandeiro falou. Segurou um lacrau à altura dos olhos, para que todos o vissem bem, das tenazes que se agitavam convulsivamente ansiando por presa até ao ferrão que procurava em vão vítima, e disse:
— Este bicho é mau e nojento, mas bem pior é o que alguns de vocês têm dentro do próprio corpo, talvez sem ainda o saberem.
O silêncio arrepiou a multidão, espraiou-se como água agitada por pedrada até às últimas filas e retrocedeu outra vez até ao centro. Então o curandeiro falou de novo:
— Uma picada mata, uma picada cura. A picada do lacrau mata a pessoa... ou o escorpião que a devora. É preciso saber escolher. Lacrau macho para cancro fêmea, lacrau fêmea para cancro macho. Quem quer experimentar?
(Tantos anos se passaram já! Contudo, fecho os olhos e continuo a ver, fascinado, os escorpiões passeando pelas mãos calejadas do curandeiro, ressequidas e tostadas por uma vida de trabalho de sol a sol, o olhar honesto de quem recusa usar o seu dom para fugir à enxada, com o brilho de quem está disposto a sofrer e a morrer pela sua verdade, mesmo que ela resida no ferrão peçonhento de um lacrau, macho ou fêmea, tanto faz. Ah, como o compreendo, eu que também tive uma verdade, venenosa como aqueles escorpiões, e a perdi algures no tempo, juntamente com a minha mocidade!)
A Ritinha, Lúcia de seu nome artístico, que parecia mais atenta aos transeuntes do que às memórias do António, trouxe-o de volta ao tempo presente, dizendo a despropósito:
— A Nela, a minha cunhada que se enforcou, já te falei dela, sim, a que deixou como últimas palavras ''A vida é uma merda'', não tinha razão. Acho que a vida pode ser, mas não precisa de ser uma merda. Como dizia o teu curandeiro, uma picada mata, uma picada cura. Depende da escolha.
Sorriu-lhe: — O difícil é escolher os lacraus."

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Finais de romances

Nas férias, em Agosto, coloquei aqui uma série de dez posts intitulada "Boas entradas de bons romances". Por coincidência, e certamente sem que nenhum de nós o soubesse (eu não o sabia), Marco Santos, do blogue no vazio da onda,  deu início à excelente série "O começo de um livro é precioso", trabalho  notável pela sua regularidade, dimensão, variedade e qualidade. Tão bom que fiquei sem jeito para dar continuidade à minha ideia inicial. Avanço com outra ideia, complementar e totalmente egoísta: apresento os finais dos meus romances. E começo pelo fim de Entre Cós e Alpedriz, o primeiro que publiquei (imagem  de João Alfaro):

"Fica a história --- a quem interessará ela, sem um escândalo para o editor, sem uma alegoria para os críticos, sem metáforas para o leitor decifrar, sem ideologias a legitimá-la nem moral a extrair? E, afinal, que importância tem isso? Sobre as casas em ruínas edificarão outras, entre Cós e Alpedriz, onde há muito se não ouve azurrar nenhum candidato a juiz, continuará a viver gente talvez feliz, geração após geração, misturando-se vidas e histórias que o vento dispersará e reunirá numa só, tal como o coveiro, passados os anos regulamentares, amontoa numa só campa os ossos dos esqueletos que outrora se moveram e falaram, dando corpo e alma a vidas perdidas no tempo."

domingo, 1 de novembro de 2009

Treino de avançados

Leiria, 31-10-09, dirigido pelo sensei Vilaça Pinto. As fotos do estágio de Julho estão disponíveis aqui.
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terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sensei Vilaça Pinto no Entroncamento

Na próxima sexta-feira, 30 de Outubro, no ginásio Il Korpo, às 17 H. E no dia seguinte, sábado, estágio em Leiria.
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Abuso de confiança

Como o defunto João Gaspar Simões, tenho a pretensão de conseguir farejar o talento. Uma vez, por exemplo, já lá vão 25 anos, era eu estagiário, a minha escola fervia de indignação devido a um jornal de alunos. Entrei para uma reunião. Vociferavam escandalizadas as orientadoras, cacarejavam aprovadores os estagiários, eu suspeitosamente calado. Incomodamente calado. Todos os olhares acabaram por me cair em cima, como se o meu silêncio fosse comprometedor.
Desculpei-me: -- Ainda não vi o dito cujo...
Prontamente, um colega que sabia viver e foi longe na vida mo pôs debaixo dos olhos. Folheei, dei com um soneto, li-o em diagonal, e escandalizei orientadoras e orientados: -- Mas isto é mesmo bom!
Não caiu o Carmo e Trindade porque estavam distantes, em Lisboa. Digamos, apenas, que superior e sabiamente sovado pelas autoridades educativas de então, dei continuidade a uma carreira de desastres e de inconveniências, e alarguei o vasto leque de gente aguardando a primeira oportunidade de me escalpelizar... E foi já fora da reunião e longe de ouvidos zelosos que o meu colega de então me confidenciou: -- Como é que o poema não havia de ser bom? Se é de Bocage!
Pois eu não o conhecia, não estava assinado... Há dias, a mesma coisa. No meio de poemas medíocres, um destoava. Era muito bom... Até que leio o nome do autor: Vasco Graça Moura.
Vem isto a propósito da poesia da Ivone. Já, por várias vezes, lhe disse que tem poemas muito bons. Encolhe os ombros e diz que se trata de amiguismo. Que alguém me aponte um único elogio, a poemas ou a narrativas, em que haja amiguismo. Quantas vezes me não contorci como enguia na frigideira para evitar comentários negativos, não tendo positivos para fazer. Quantas vezes me não calei. Mas elogiar merda, nunca. Quem duvidar, que percorra o histórico deste blogue, que vá ao meu site, e me contradiga. Publicarei todos os desmentidos fundamentados.
Posto isto, repito: tem poemas muito bons. Veja-se este, acabadinho de roubar do seu blogue - que a Ivone desculpe o abuso de confiança:

O PRIMEIRO OUTONO

Foi numa noite assim
que Ceres se esqueceu da Terra.

Por debaixo das raízes e dos rios,
Proserpina deitou-se no leito de sombras.
Ainda seda, ainda memória, ainda luz,
viu os bagos de romã
caídos em redor de Plutão
que lhe estendia
numa mão o esquecimento,
noutra a eternidade.

Ivone Costa

domingo, 25 de outubro de 2009

Pastéis de Belém



Fim-de-semana na capital.

(Fotos aqui)

sábado, 24 de outubro de 2009

A idade do deslumbramento

Na foto, tirada por mim há quase quarenta anos com uma Kodak Instamatic, o meu irmão. Época em que ouvi na rádio e pela primeira vez a Ode à Noite, de Álvaro de Campos. A idade do deslumbramento. Com a beleza do Mundo e com a perfeição da poesia de Pessoa:

"Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.


Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...
Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos.
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma.
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida. (...)"

Álvaro de Campos

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Auto-retrato

Diz a Sofia que "os meninos têm de ter o cabelo curto." Concordo, especialmente quando ele escasseia e seria ridículo deixar umas madeixas desgarradas...

Auto-retrato com Olimpus Pen, por volta de 1972, quando me não faltava cabelo.
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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O novo penteado do Miguel


Clicar na foto para ampliar

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Da Bíblia

Também a mim, a Bíblia me inspira. Assumo-o, só lamentando que a minha escrita não esteja à altura dos originais, na expressão perfeita da dor humana, do prazer, do ódio, do amor. Creio que só por má fé, ou por pérfidos interesses comerciais, se pode cuspir disparates sobre a obra que, no entanto, motiva e, no caso de Saramago, dá de comer. A ingratidão é pecado muito feio no mundo das letras. E, no que me diz respeito, chega de crítica ao mestre.
Eis um excerto do meu inédito Um amor inventado, em que inseri o sempre recorrente Lamento de Job, que comecei a apreciar graças a Camões (O dia em que eu nasci moura e pereça...) e à minha professora de Literatura Portuguesa II, Professora Doutora Lucília Pires, com quem tanto aprendi.

Capítulo 13. Entre cuidado e cuidado

(Para ler o capítulo na íntegra, clicar aqui)

...Mas, afinal, que faço eu na capela? Pois eu explico. Vim persuadido, quase obrigado pelo meu amigo João, que anda desesperado desde que a mulher o deixou, já lá vão três meses, e desde então me não larga, para que o acompanhe, o ajude, na busca da Berta. Ocorreu-lhe que na missa, rezando com fervor, poderia receber inspiração divina, algo como um pressentimento sobre o seu paradeiro, e sem coragem de vir sozinho, quase me forçou. Eu, ainda na adolescência, até passaria despercebido na igreja desta terra onde os homens apenas entram para casar, para baptizar os filhos, para funerais --- e chega bem, dirão eles, não é preciso mais. Mas o João, homem feito, com problema conjugal de todos bem conhecido, dá de imediato nas vistas: sem qualquer discrição, mesmo fingida, beatos e beatas esquecem momentaneamente as rezas mastigadas por alma de quem lá têm, viram-se ostensivamente para trás para confirmarem a sua presença, verificarem se há vestígios de lágrimas no seu rosto, não se coíbem de comentar com os vizinhos a estranheza de o ver na missa, e o bichanar percorre as filas de fiéis, sobrepõe-se ao sermão do jovem padre que se vê forçado a levantar energicamente braços e voz como se pedisse ajuda ao Alto, numa vã tentativa de recuperar a atenção do auditório...
Deixemos a coscuvilhice, concentremo-nos na prédica, não quero culpas assacadas pelo João se não receber a almejada inspiração... Aliás, parece até de propósito, as palavras do pároco poderiam sair da sua própria boca, que tanto tem sofrido --- saudades, humilhação pública, mofa, ditos e perguntas parvas:
“Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãos discursos? Já por dez vezes me humilhastes e não vos envergonhais de me insultar. Mesmo que verdadeiramente tivesse errado, o meu erro só a mim diz respeito. Mas vós levantais-vos contra mim, e me repreendeis por causa das humilhações que padeço (…) Grito contra a violência e ninguém me responde, levanto a minha voz e não há quem me faça justiça."
Então dá-se o escândalo, ainda hoje recordado: o João ergueu-se e bradou:
--- Ouviram bem o senhor prior? Se errei, o meu erro só a mim diz respeito!
Levantou-se burburinho, que prontamente cresceu e se tornou clamor: como ousava esse corno manso tomar a palavra durante a homilia, levantar a voz na casa do Senhor? E beatos e beatas, indignados com a falta de decoro, multiplicavam, não pães e peixes como Jesus fizera, mas insultos nada católicos, avançavam ameaçadores para nós, ignorando o sacerdote que os tentava apaziguar, enquanto eu arrastava para a rua o João, sempre gritando que também a ele não havia quem fizesse justiça. E chamava-lhes beatos falsos, vendo sacrilégio num sentido desabafo em local santificado, mas não dando ouvidos às palavras sagradas que acabaram de sair da boca do sr. Prior e que lhe permaneciam gravadas na memória:
“Mas vós levantais-vos contra mim, e me repreendeis por causa das humilhações que padeço!”
Da taberna em frente, do adro da igreja, até do café, um pouco mais distante, acorre o povo, atraído pela algazarra e pelos insultos vindos da portaria do templo. Puxo pelo braço do meu Job, com dificuldade consigo afastá-lo, que insiste em atirar à cara dos curiosos esse lamento de outro desgraçado como ele, destruído milhares de anos atrás sob o olhar atento do Senhor:
--- O meu erro só a mim diz respeito!
Semana após semana, ao chegar vindo do quartel, esperara encontrar a casa aberta, arejada, habitada, a Berta nos seus afazeres domésticos, a filha dormindo tranquilamente. Então bateria à porta, humildemente pediria para entrar e conversar, talvez se reconciliassem e acabassem na cama, amando-se outra vez, ou, se mulher continuasse zangada, sem sequer lhe falar, limitar-se-ia a ficar, contemplá-la, servi-la naquilo que deixasse, aguardando que lhe perdoasse.
Mas o mofo sobrepunha-se já aos cheiros a bebé, a pão, a comida cozinhada, ao próprio odor da Berta, tão peculiar, que o João sempre conseguira distinguir entre todos os outros; então, tristonho, cabisbaixo, deprimido, deixava-se ficar, sem cozinhar, sem comer, com vergonha de recorrer à casa paterna, pai e mãe desgostosos com a situação do filho, acabrunhados com a murmuração do povo, incapazes de conter remoques, ralhos e conselhos:
--- Bem te avisámos!
--- O que é que esperavas, casando à pressa com uma sopeira que mal conhecias?
--- Devias mas era ter-lhe chegado a roupa ao pêlo! Se lhe tivesses derribado uma asa, não poderia fugir assim, ainda por cima levando a tua filha! Ler mais

domingo, 18 de outubro de 2009

Outono

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Outono

Les sanglots longs
des violons
de l'automne
blessent mon coeur
d'une langueur
monotone.

Tout suffocant
et blême, quand
sonne l'heure.
je me souviens
des jours anciens,
et je pleure...

Et je m'en vais
au vent mauvais
qui m'emporte
de çà, de là,
pareil à la
feuille morte...

Paul Verlaine

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Da amizade

Quase diariamente recebo mensagens informando-me de que pessoas cuja existência desconhecia são meus amigos. Hoje, por exemplo, recebi esta:
"Olá Jose,

Os teus amigos seguintes têm aniversários esta semana. Clica em qualquer das ligações ou miniaturas abaixo para visitar os seus perfis e deixar um comentário ou mandar-lhes uma mensagem: ..."

São imediatamente apagadas, sem sequer as ler. Esta sobreviveu apenas o tempo suficiente para copiar o fragmento acima colado. É que o meu conceito de amizade é outro, muito mais próximo do de Herbert Pagani (Para ouvir, clicar aqui -- contributo do Reinaldo)

"(...) Au clair de l'amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire à l'amitié
Mon ami Pierrot


L'amitié c'est un autre langage
Un regard et tu as tout compris
Et c'est comme S.O.S. dépannage
Tu peux téléphoner jour et nuit
L'amitié c'est le faux témoignage
Qui te sauve dans un tribunal
C'est le gars qui te tourne les pages
Quand t'es seul dans un lit d'hôpital
C'est la banque de toutes les tendresses
C'est une arme pour tous les combats
Ça réchauffe et ça donne du courage
Et ça n'a qu'un slogan : "on partage"

Au clair de l'amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire à l'amitié
Mon ami Pierrot"

E ao luar desta amizade -- é uma outra linguagem (um olhar e tu compreendeste tudo), é como o pronto-socorro (podes telefonar dia e noite), é o falso testemunho que te salva num tribunal, é o tipo que te vira as páginas quando estás só numa cama de hospital -- eu bebo e (re)bebo, como canta o Brel.