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sábado, 30 de abril de 2016

O galo de ferro

Branquejam pela encosta as paredes das casas, vermelhos os telhados — e, acima de todas elas, sobressai a torre da igreja, encimada por pára-raios agressivamente virado para o céu, servindo de eixo a cata-vento em forma de galo orgulhoso, bico sempre apontado para barlavento, cauda larga para sotavento.
Do galo se diz que é inconstante como a aragem que o faz rodar, mas se o observássemos sem ideias pré-concebidas, dia após dia, ano após ano, melhor ainda, se o pudéssemos acompanhar ao longo das gerações que passam sob o seu olhar indiferente, concluiríamos, como eu próprio já concluí, que também ele tem as suas querenças, visto que, podendo apontar em qualquer direcção, o vejo de manhãzinha virado para Nascente, como se também ele, na sua mudez férrea, quisesse saudar o nascer do Sol, ou o cacarejar que vem dessa direcção lhe animasse uma qualquer molécula orgânica, depositada pelos pardais oportunistas que o usam como poleiro, sujando-o indecorosamente... 
A mim, que raramente termino aquilo que começo, volúvel como o vento, de tal forma que já troco barlavento com sotavento, agrada-me este amigo de outros tempos, testemunha muda de homens e de aragens, que tanto sabe e tudo cala, apenas preocupado em afastar a cauda do desconforto, o olhar vazio fitando o infinito. 

1 comentário:

Beatriz Lamas Oliveira disse...

e pensar que foi ao galo que eu aprendi a cortar o pescoço com o cutelo da minha Ama! Ai Maria, que não me ensinaste o sofrimento dos animais, deles só me deste a alegri do arroz de cabidela, das papas de serrabulho! Mas como eras pessoa boa eu acabei por entender que só se matava o que se comia!