Amanhã disponibilizarei um conto já bem conhecido: Os cornos do diabo, vencedor do Prémio Irene Lisboa 2010 com o título Crime na Capital. Eis o excerto que motivou o título:
Choca-me ouvir criticar defuntos, quanto mais num caso destes, em que a própria viúva, em vez de se desfazer em lágrimas, se desfazia em insultos ao morto. Ah, mas que não pensasse eu — e olhou-me de maneira estranha, como camponês em feira que avalia gado cobiçado, mas ainda não comprado — que ia envelhecer a carpir a morte de semelhante patife. Ainda hoje, ele a entrar no Inferno, e ela a meter um qualquer na cama, nem que tivesse de telefonar para alguma agência. Sempre se portara bem, mas isto fora o cúmulo, ainda por cima notícia de jornal para toda a gente se rir dela, pobre coitada — falava como se o Jorge fosse o culpado da bala assassina — ah, havia de bater com os cornos no umbral das portas do Inferno. Afinal, diabo precisa de cornos, não é assim? — e novamente o olhar me perturbou, como se já me tivesse escolhido para a tarefa por demais obscena de cornear amigo recém-defunto.
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