Conta São Mateus que, pregando Jesus no Templo, os publicanos e herodianos, para O porem à prova, Lhe perguntaram se deviam pagar o imposto a César. Jesus, que bem conhecia a sovinice do seu povo, pediu uma das moedinhas com que pagavam o tributo: -- Mostrai-me um sestércio!
Ora aqui é que o cronista omite pormenores relevantes, incapaz de pôr a nu a ancestral avareza judaica. Mas eu, pressentindo que a história deveria estar incompleta, procedi a aturadas pesquisas, recorrendo inclusive a manuscritos apócrifos, alguns deles ainda não publicados, para reconstituir o hiato entre o pedido de Jesus e a sua célebre sentença "Dai a César o que é de César." E, por acréscimo, apurei como ocorreu a expulsão dos vendilhões do Templo...
-- Um sestércio, Mestre? Tu, que abominas o dinheiro, pedes um vil sestércio?
Com aceno de cabeça, Jesus confirmou.
-- Onde vou arranjar agora um sestércio? Olhou em volta. Os outros publicanos fingiam prestar atenção aos vendedores de pombas. Os discípulos de Jesus sorriam trocistas: mais uma vez o Mestre ganhava as discussões.
Em vão, o publicano escarafunchava nos bolsos da túnica: -- Logo hoje, que vim desprevenido... E para um dos herodianos: -- Ajuda-me, que já riem de nós!
--Também eu estou desprevenido... Nunca trago dinheiro comigo, sempre digo que Jehovah me valerá nas necessidades...
O publicano olha interrogativamente para os outros. Apressam-se a revirar as algibeiras, para mostrar que nada escondem. Um, em jeito de desculpa: -- Acho que tinha um sestércio, mas a minha mulher deve ter-mo apanhado quando lavou a túnica... É sempre o mesmo: dinheiro que ela encontre nos meus bolsos desaparece logo!
-- E tu, dizem a um dos herodianos, que ao demais és também banqueiro?
-- Também nada tenho, irmãos. Sabes bem que nós, banqueiros, somos uns pobres de Deus.
Irritado com os esgares de troça, acrescenta desconfiado: -- E mesmo que tivesse um sestércio, não o punha nas mãos desse Jesus. Havia logo de dizer que pertencia ao Pai e ficava com ele, ou dava-o a pobre, para fazer figura à minha custa!
Jesus, mão estendida, sorria com beatitude, não pela vitória mais do que certa, talvez com pena destes seus irmãos forretas.
O publicano que interrogara Jesus desesperava -- perder a face por um sestércio, um mísero sestércio!
--Vamos pedir ali aos cambistas, emprestar-nos-ão a moedinha.
Os outros olharam-no, duvidosos. -- Que garantias lhes dás, quis saber o herodiano banqueiro.
-- Atrever-se-ão eles a exigi-las, de nós e na casa do Senhor, onde os deixamos exercer a sua actividade?
E para o primeiro deles: -- Irmão, empresta-me um sestércio!
O cambista não era parvo. -- É por via da disputa que tens com o Mestre?
Com aceno de cabeça, o publicano anuiu.
-- Perdoa-me, mas consta que o Mestre dá tudo aos pobres. Quem me devolve depois o meu sestércio?
Foi demais. Os herodianos não se contiveram, empurraram o cambista, berraram -- Todos já daqui para fora, escumalha torpe, que conspurcais a casa de Deus com os vossos negócios vis! E vendo que se não apressavam a desmontar as bancas, um deles ameaçou: -- Ou saís a bem, ou vamo-nos queixar a Pilatos, ao próprio Herodes, que está na cidade!
Fugiram lestos, as bancas debaixo dos braços, mal ouviram o nome de Herodes, que a pedido de Herodíade mandara matar o Baptista e servir a sua cabeça à jovem Salomé em bandeja de prata. Os vendedores de pombas, vendo os colegas cambistas em debandada, tentaram saber a que se devia a fuga precipitada.
-- Herodes..., foi o que ouviram.
--Herodes?, disse um para os outros, como se não tivesse compreendido bem.
E em resposta, ouviu dito que resiste desde então ao desgaste dos séculos:
-- O velho Herodes! Foge, senão ainda te...
-- Colegas, que faremos? Perguntou o publicano que quisera pôr Jesus à prova.
-- Saiamos nós também, de mansinho, enquanto estão distraídos com a fuga dos vendilhões do Templo .
-- E eu, como fico perante o povo?
-- Ora, se algum te perguntar, diz que vais a casa procurar um sestércio.
-- Ou que nós, herodianos, somos tão pobres como Ele.
O banqueiro ainda sugeriu que pedissem a Jesus o milagre dos sestércios, à semelhança do da multiplicação dos pães e dos peixes.
Olharam-no com desprezo: como um homem brilhante nos negócios pode ser tão burro em assuntos comezinhos: -- E onde está o sestércio que Ele há-de multiplicar?
Ainda ouviram o Mestre, que ensinava o povo: -- Dai a César o que é de César e a meu Pai o que lhe pertence!
-- Ora, pois, não vos dizia? Se apanhasse o sestércio, Ele que é o herdeiro do Pai...i
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