Convenci-me de que nós, portugueses, temos fraca apetência pela democracia. Preferimos alguém a mandar e nós a protestar. Só assim consigo explicar que nas associações que por aí proliferam, nos jornais de província, nos clubes, nos sindicatos, nas autarquias, se mantenham há quase 40 anos os mesmos rostos, com excepção dos raros que, entretanto se reformaram, a doença incapacitou, ou a morte levou.
Da parte dos mandantes, o apego ao poleiro -- Só saio corrido, quem comeu a carne que roa os ossos! -- e raramente alguém os afronta, que há sempre muitos interesses e conveniências em jogo. Da parte dos mandados, a cobardia, a preguiça, o comodismo. Que levam os sócios a faltar às reuniões de eleição de corpos gerentes para não correrem o risco de integrar as direcções, sempre numerosas -- por vezes, os sócios já não são suficientes para todos os cargos inúteis existentes.
Ouvem-se então as lamúrias do dirigentes cessantes, que também eles adoram queixar-se: é o desinteresse dos associados, é a incompreensão dos poderes públicos, é a vida familiar tão sacrificada, é "eu acho que devia entrar sangue novo"... Um estrangeiro que estivesse presente e compreendesse o Português pensaria: estão a pedir para sair. Erro crasso, nada percebe da nossa cultura. Aquilo nem desabafos são, é a deixa para os graxas de serviço, sempre presentes, os envaidecerem com elogios. Então, bem contra vontade, com sacrifício pessoal e sobretudo familiar, ei-los prontos a carregar sobre os ombros outro mandato, a bem da coisa pública, a bem da Nação!
Uma vez, numa reunião de karaté, já na fase dos queixumes, o presidente cessante coloca o lugar à disposição.
-- Mas tu não queres continuar? -- pergunta o presidente da mesa da assembleia geral.
O outro enrola. Que sim, que não, mas os sócios deviam fazer isto e aquilo...
Nós bocejávamos. Percebiam-se bem as suas duas vontades: que não ocupasse o cargo rival presente, e que lhe suplicássemos a recandidatura.
O presidente da mesa, sempre palavroso, empatava com malabarismos verbais. Homenzarrão do Norte, impaciente com a estafada retórica costumeira, interrompe-o bruscamente: -- Despacha-te com isso, que quero almoçar!
O presidente da mesa, furioso: -- Queres ser presidente?
-- Vai-te foder!
Comprova-se assim que as nossas estruturas democráticas são como os cemitérios da velha anedota: quem está fora não quer entrar e quem está dentro não pode sair...
E o Tó Zé?, contra-argumentarão os leitores que tenham conseguido ler o post até aqui.
Pois, afianço-vos, a sua conversa de querer governar é mera variante do dito que exterioriza a bravura nacional: "Agarrem-me, que eu não sei o que faço!" Agarrem-no, portanto, para que não venha a desgraçar a carreira respondendo a jornalista da televisão como o meu amigo do Norte.
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