Não sou muito dado a actividades sociais e fujo como o diabo da cruz dos eventos que me cheiram a feiras de vaidades, onde importa estar presente para ver e ser visto. Mas faço questão de participar naqueles que me tocam, como foi ontem o caso do lançamento do livro de Pedro Correia Vogais e consoantes politicamente incorrectas do acordo ortográfico.
A apresentação, na Bertrand do Picoas Plaza, apinhada de gente interessada e atenta, coube ao editor, a Pedro Mexia e ao autor. Divertida, esclarecedora, cativante, defendeu posições que eu mesmo, quando no activo, tinha reivindicado na minha escola, como o direito de os professores opositores se poderem declarar objectores de consciência.
O livro, que li entusiasmado na viagem de regresso, constitui um estudo exaustivo sobre a génese e a implementação do acordo ortográfico de 1990, as suas vicissitudes e motivações, em Portugal, no Brasil, nos restantes países de língua portuguesa; põe a nu as incoerências, os disparates, as asneiras resultantes da sua aplicação (embora saliente aspectos positivos), e propõe um plano de acção claro, sucinto, exequível para resolver a trapalhada criada pela incompetência ou o desleixo de (pessoas que se dizem) linguistas e políticos.
Bem fundamentado, claro na exposição, combina o rigor com a arte de bem escrever.
Apenas senti a falta de uma secção, mesmo que genérica, sobre as motivações económicas do acordo: encontros e conferências internacionais, com as inerentes mordomias, ganhos com a formação, guerras pelo controlo do mercado livreiro, substituição quase forçada dos dicionários e demais ferramentas de língua... Porque, pressinto, as motivações para a elaboração do acordo ortográfico de 90 e as posteriores pressões para a sua aplicação podem não ter sido sempre nobres e elevadas -- científicas nunca foram, nem pretenderam ser, como o livro deixa claro, citando um dos pais deste aborto.
Seria a ocasião de proponentes e defensores deste acordo ortográfico prepararem obra que desminta as evidências e rebata os argumentos apresentados por Pedro Correia, justificando a aberração em vigor. Seria, mas duvido de que isso aconteça, tal a solidez das Vogais e consoantes politicamente incorrectas, provavelmente estocada final no acordês e possível ponto de partida para emenda consistente das asneiras -- que um pequeno grupo não escolhido, não nomeado, trabalhando à revelia dos linguistas e demais intelectuais, impôs sem debate público à sociedade portuguesa, à brasileira, e quer impor aos demais países da lusofonia...
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