Encontro a praia como gosto: envolta em nevoeiro, mar bravo, bandeira vermelha. Começo com passeio pela beira-mar, seguindo o conselho do meu amigo Maurício para o menisco: caminhar em
terreno mole. Está calor, apesar de não se ver o Sol. Quando me afasto o suficiente, ocultado pela neblina, começo o meu ritual: sorvo a maresia, sinto no trovejar da rebentação das ondas
desencontradas a potência do Atlântico, fosse eu dado a tretas eruditas e falaria do rugir de Posídon, o Sacudidor da Terra homérico, mas o que me interessa é puxar até mim a sua força, concentrá-la no meu centro, o hara em japonês, e a salvo de olhares indiscretos começo a minha oração, a minha tokui-gata, Hangetsu, kata respiratória, caracterizada por movimentos lentos e em força na primeira parte, explosivos na segunda. Com a tensão que crio na parte inferior do corpo os pés afundam na areia, óptimo, que eu seja por instantes um com o areal, com o mar, com o nevoeiro, com a maresia, que todos os meus sentidos participem na execução da kata, que o meu pensamento se esvazie, que os meus movimentos tenham a firmeza da terra, a força do mar.
Ah, tudo o que é bom acaba depressa, nem pensar em repetir, aproximam-se banhistas em corrida, levantou-se uma brisa que dispersa a cerração, e eu, feito pessoa normal, daquelas que têm os cinco alqueires bem medidos, pois eu caminho de regresso à toalha, onde o sossego é difícil por entre o bater constante de bolas dos desportistas de fim-de-semana.
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