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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O carneiro

Era uma tarde de domingo, e eu, no alpendre, ao sol, lia tranquilamente o Expresso. Chama-me a atenção tropel rua abaixo. Um carneiro. Coitado, terá sorte se não for atropelado. Ia recomeçar a leitura quando o vejo, no quintal vizinho, a olhar-me. Não me preocupei. Separava-nos muro alto. De um salto, ei-lo no meu quintal, à briga com o meu cão, o Clip, um boxer. Acorro a tentar evitar que aqueles vândalos destruam a horta – o que depressa fazem, antes que consiga prender o Clip, que ladra furioso e corre em torno do carneiro que investe à marrada.
Como vou pôr na rua esta visita indesejada? Lembro-me dos cobóis. Com baraço, prendo-o pelo pescoço e puxo. Finca as patas no chão, não o consigo fazer avançar. Grito pela minha mulher. Peço-lhe que bata nas traseiras do carneiro enquanto eu puxo. E ela começa a bater, a medo – com talo de couve! Esforço-me, o carneiro cai por terra asfixiado. Alivio o garrote. Recomeçamos os três. Muito a custo, conseguimos pô-lo na rua.
Mas ele, em galope rápido, entra novamente no quintal do vizinho, daí salta o meu muro, ei-lo outra vez no meu quintal. E nós a escorraçá-lo. Centímetro a centímetro, que ele asfixiava e desmaiava frequentemente. Então deixava-o respirar, pôr-se de pé, ainda cambaleante, e vai de o puxar para fora do meu quintal.
Outra vez a mesma história. Lembro-me de enigma do livro da escola primária, algo como como transportar num barco um lobo, um cordeiro e uma folha de couve, e adapto-o: solto o cão, consigo, muito a custo, que o seu ladrar mais enervava o intruso, fechar o carneiro no canil, a investir contra a rede que ameaçava romper, saio a perguntar aos vizinhos com rebanhos se lhes faltava rês. O primeiro que encontro está a cair de bêbedo. Depois de me fazer entender, o que demorou, que as minhas palavras só a custo atravessavam a névoa alcoólica que o envolvia, bem patente no bafo que exalava, lá me diz que acha que não.
Figuras que fazemos: eu, que por ali não conhecia ainda ninguém, a tocar às campainhas, a bater às portas: -- Vizinho, apareceu um carneiro no meu quintal, sabe de quem é?
Depois de muito porfiar, lá dei com o dono. Ou com a pessoa que me disse que sim, tinham-lhe fugido cordeiros assustados com um cão, ainda lhe faltavam alguns. E lá vamos, eu, o vizinho, o filho, um baraço para trazer o animal de volta ao redil: -- Olhe que não o vai conseguir trazer à corda! Experimentei e ele finca as patas no chão, não há como o fazer andar.

Mas trouxe. E, surpresa, sem oferecer resistência. O truque? Pois o filho levanta uma das patas traseiras do animal, e aí vai ele, a seguir o dono como um cordeirinho.

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