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quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Alegretes

Alegretes
A casa, que uma inscrição datava de meados do século XIX, era de pedra tosca, telha romana, pequenas janelas de madeira, os vidros partidos remendados com papelão. 
Na frente, que dava para rua estreita, tinha, de cada lado dos degraus da porta de entrada, alegretes estreitos cobertos por sardinheiras coloridas acima dos quais se elevavam — cabaças! Que eu e o meu primo cobiçávamos, disputávamos: — Aquela é minha! 
Nem sei para que as queríamos. Eram novidade, eram diferentes das demais plantas aldeãs, eram, assim as achava e acho, bonitas na sua elegância feminina de curvas simétricas e perfeitas.
Mas a casa, que tinha pertencido ao nosso bisavô Zabel e passado por herança ao avô Zé Cipriano, estava arrendada. A indivíduo de maus fígados, quezilento — o Maneta, de alcunha e de facto, pois tinha o braço direito amputado pelo pulso. O que nos alimentava as esperanças de em breve nos tornarmos proprietários das apetecidas cabaças era o facto de o nosso avô querer despejar o inquilino:
— Preciso da casa, o meu Emílio quer casar e não  tem onde morar…
Verdade. Quando o tio casou, à pressa como era costume na nossa família, lá se instalou até arranjar melhor.
O Maneta é que não parecia convencido e resistia. Até que o nosso avô nos anunciou: sai no fim do mês, dia 1 vamos lá.
Bem cedo, o meu primo e eu estávamos em casa do nosso avô, cada qual receoso de que o outro, se chegasse sozinho, se apropriasse das melhores cabaças. 
Desilusão: as sardinheiras e cabaceiras jaziam por terra, cortadas rente, cobertas pelas  flores e cabaças, tudo espezinhado maldosamente. 
O meu avô abriu a porta e logo à entrada, grande poia de merda humana enfeitada com flor de sardinheira — tal como em todas nos dois pequenos quartos, na cozinha, até na minúscula despensa interior. E o sobrado encharcado por penicadas de mijo. Fedor insuportável. Olhámos para o avô Cipriano, talvez à espera de ataque de raiva, de ameaças justiceiras.
Mas ele, bom homem e aliviado por se ver libre de tão ruim inquilino, riu às gargalhadas:
— Filhas da puta, muita vontade tiveram para cagar e mijar tanto!
(FOTOS: o avô Cipriano, na única foto que tenho dele, dos seus tempos de militar; no casamento da tia Cesaltina: o meu primo António à esquerda, eu à direita, no meio a minha irmã e o primo Fernando Cipriano; a menina à esquerda era a filha de uma amiga da minha mãe do tempo em que vivemos em Chaqueda, mãe solteira. Nunca mais soube nada dela, a dona Capitolina nem da filha.)

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