Parece instalada na opinião pública a crença de que os políticos têm de ser pessoas de vida irrepreensível, de moral impoluta, sem a menor mácula na vida privada. Santos. Surpreende-me esta exigência que, surgida em países luteranos, alastrou até nós, de base católica, logo predispostos ao perdão -- o qual, para existir, pressupõe o pecado prévio.
Nas últimas décadas, evoluímos do sorriso cúmplice ao ouvir falar da vida sexual de, por exemplo, Miterrand, mulher e amante de longa data a coabitarem no Eliseu, para o apedrejamento público de Clinton (no link com actrizes pornográficas, o sortudo) e hoje nem rimos às gargalhadas ao ouvir acusar Strauss-Khan de ter ido à putas ou de com elas ter participado em orgias em que as teria violado! O sentido do ridículo parece ter desaparecido. Esta exigência de santidade estendeu-se dos notáveis da política àqueles que os servem: os guarda-costas de Obama são censurados por terem o costume de, em deslocações ao estrangeiro, contratarem umas meninas... Mais me choca o puritanismo coevo por ser promovido e imposto por órgãos de informação que, descaradamente, vendem putedo, putaria e putices -- e porque, por este andar, em breve teremos a governar as nações santos que nem pecar sabem, ou criaturas aterrorizadas com o receio de que pecadilhos do passado sejam descobertos e lhes arruínem a carreira.
A crise actual é, também, uma crise de homens de estado. Como queremos ter os melhores se lhes exigimos, para além da honestidade e incorruptibilidade, a santidade nas suas vidas privadas, nomeadamente naquilo que, entre adultos, é do foro íntimo, como a sexualidade? Como não nos havemos de nos queixar da incompetência dos governantes, se quase lhes exigimos a castidade?
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