O 25 de Abril apanhou-me a dormir.
Vivia então na Marinha Grande, na clandestinidade, e era operário de plásticos em Leiria. Naquela semana trabalhava no turno da meia noite às oito, que me deixava bêbedo de sono: experimentem dormir quando todos estão acordados. Por isso, quando aí pela uma da tarde, a minha mulher me acordou para me dar a novidade, que havia um golpe de estado na capital, resmunguei algo como: "Pois sim, mas deixa-me dormir", desejoso de voltar a adormecer, não no fofo do colchão, mas sobre o sobrado, que cama não tínhamos. Também não tínhamos televisão nem rádio. Nem mobília nenhuma, exceptuando um mocho comprado no mercado...
Chego a Leiria cedo, procuro sinais de agitação. Nada. Tudo calmo. Na Praça Rodrigues Lobo encontro o Luís Marques, hoje o homem forte da SIC, então duro e valente revolucionário. Também ele estava na clandestinidade, e não o imaginava naquela região. A notícia do golpe de estado trouxera-o até à claridade. Tal como eu, não acreditava que viessem aí grandes mudanças: "Coisas do Spínola e dos spinolistas", terá dito, e eu acreditei. E contou-me que dias antes quase tinha sido capturado no Pinhal de Leiria, onde se acoitava. Fugiu por entre balas, deixando atrás uma máquina de escrever e um duplicador.
Eu violei as normas conspirativas e revelei-lhe que tinha perdido há um mês o contacto com o meu controleiro, de quem apenas conhecia o pseudónimo, e aguardava pelo encontro de recurso no mês seguinte. Mas receava que ele tivesse ido dentro na recente vaga de prisões. E o Luís, que eu suspeitava ser um alto quadro do Movimento, logo ali me recrutou para o seu comité.
Depois fui trabalhar, porque o patrão também não tinha ouvido falar em revolução e a fábrica laborava como de costume.
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