Deux Pigeons s’aimoient d’amour tendre
(La Fontaine)
De manhã à noite, era um arrulhar
permanente:
-- Tu, me amas tu?
E ele, roçando o pescoço no dela,
bicando-a amorosamente, rodava sobre si mesmo, com a cantoria de sempre:
-- Duvidas tu? Duvidas tu?
O dono, que os comprara no mercado,
detesta animais presos, e pombos, aprecia-os a voar em liberdade. Por isso,
logo que o choco começou, abriu o pombal.
Ela foi a primeira a sair. Durante
dois dias não voltou, deixando o coitado, sempre apaixonado, preso sobre os
ovos. Bem a chamava, nos breves instantes em que abandonava funções para se
alimentar:
-- Por onde andas tu? Por onde andas
tu?
Em vão. Num telhado vizinho, ela
acamaradava com outro bando, parecia até não lhe desagradar a corte constante
de um macho das redondezas.
Até que voltou, como se nada fosse com
ela, sem contas a prestar, explicações a dar.
Daqueles ovos, nada nasceu.
Habituaram-se os dois a sair, para
esticar as asas, apanhar sol e chuva nos beirados, debicar livremente no
quintal.
-- Tu, me amas tu?
E ele rodava pimpão: -- Pois duvidas
tu? Duvidas tu?
Nova postura, novo choco. Nasceram
dois borrachos.
Era uma lufa-lufa constante a
alimentá-los. Trabalhava sobretudo o pombo, pai extremoso. Que ela, mais
presente embora, dava as suas voltas, ausentava-se, por vezes todo o dia,
regressava ao entardecer, ar cândido, santificado, de quem jamais faz asneira.
Os borrachos cresciam vorazes, exigentes, sempre esfomeados, em constante piadeira : -- Papinha para mim! Papinha para mim!
Um dia também o pombo se ausentou por mais
tempo do que o costumado. Piam os pequenos que é uma dor de alma:
Os lamentos chegam a telhado próximo, onde
a mãe se deleita com os arrulhos do pombo vizinho, e acode pressurosa a alimentá-los.
Nessa noite, sussurrou crítica
amargurada:
-- Tu sempre fora, tu sempre fora!
E ele, furioso, rodopia brioso:
-- Que queres tu, que queres tu?
Dias depois, ele deixou de dormir em casa.
Avisto-o ao longe, em telhado soalheiro, a rodopiar garboso enquanto arrulha a
pombita de bando numeroso:
-- Me queres tu? Me queres tu?
No
pombal, ouve-o desconsolada a pobre companheira, ela que se esfalfa a jornada inteira
para alimentar a ninhada.
Os
dois pombos amavam-se ternamente…
FOTOS
(1) A pomba desamparada, com ar de pobre coitada, que não merece ser trocada.
(2) Os filhotes, já espigadotes, incomodados com estes dichotes.
1 comentário:
Muito bom!
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