As mulheres odiavam-se. Mesquinhamente. Ralhavam, brigavam por tudo, de questões de águas a passagem por serventia que entendiam ser sua. Mãe e filha contra a prima. Que é em família que nascem e se apuram as maiores inimizades.
Os homens não se envolviam. Na taberna, no café, no adro, falavam-se, sem azedume, mas sem grandes confianças. As crianças conviviam entre si, às escondidas das mães.
Certa noite, uma delas, a estudar em Alcobaça, contou que nós, da família inimiga, planeávamos deitar a mão a casal de pombos do Mosteiro, levá-los para a aldeia, fazer criação -- para sermos os felizes donos de tão belas aves, invejados pelos demais garotos.
Era verdade, mas detinha-nos o medo. De sermos apanhados a roubar. De denúncia na escola, onde os pombos cativos teriam de permanecer escondidos nos nossos sacos até à hora de saída. De valente surra ao chegar a casa com eles, que os nossos pais não nos criavam para ladrões, o mal é começar, seja por alfinete, fruta, ou casal de borrachos.
A mulher exultou. A hora da vingança chegara. Contra o mais velho de nós, órfão de pai -- assim atingiria mais cruelmente toda a nossa família. E havia o despeito por órfão e pobre andar "a estudar".
Na manhã seguinte, logo à saída da camioneta, o filho convidou o outro: queria mostrar-lhe uma coisa. Que o acompanhasse, ia ter uma surpresa.
Teve. Ao passarem pelo posto da Guarda Nacional Republicana, entrou e gritou para o guarda da portaria:
-- Venho fazer queixa deste menino, que anda a roubar pombos no Mosteiro!
O guarda devia ser pai, saber o que são crianças. Talvez detestasse denunciantes.
-- Desaparece já daqui, senão quem fica preso és tu!
Acrescentou ainda, para correr dali com o miúdo, paralisado pela surpresa:
-- Por levantares falsos testemunhos!
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