Não pensar em ganhar. Pensar em não perder.
(Um dos vinte preceitos da arte do karaté)
Eu seria mais popular e a leitura dos meus textos mais apreciada se dissesse aos meus colegas aquilo que querem ouvir, se lançasse invectivas aos governantes, que abomino, se apelasse à guerra sem quartel nas greves em curso. Bem o sei, e é com profunda mágoa que reconheço não o poder fazer. Porque os estaria a enganar. Passo a explicar-me.
Se os dirigentes sindicais jogassem xadrez, teriam estudado cuidadosamente tabuleiro, disposição das peças, possíveis jogadas do adversário antes de lançarem à aventura toda uma classe que, apesar deles, ainda é das mais conceituadas aos olhos da população nacional. Jogariam para ganhar, ou, na pior das hipóteses, para não perder. Porque, neste momento, uma derrota aliena irremediavelmente o futuro dos professores (e o do país, mas essa é outra história).
Irresponsavelmente, arriscaram tudo em duas jogadas, atacando com torre e rainha: greve às avaliações, fácil, pois basta em cada um conselho de turma um professor fazer greve para que a reunião tenha de ser adiada por 48 horas, e a greve aos exames. Ora esta última dificilmente trará o almejado sucesso: se em cada agrupamento dez por cento não aderir à greve, haverá duas ou três vezes mais vigilantes do que o necessário.
Em risco de xeque-mate iminente, resta-lhes, aos nogueiras, sacrificar a peonagem, seja implorando um qualquer acordo que lhes permita desistência aparentemente airosa, seja lançando-a em desesperadas manobras suicidas, como cordões humanos a bloquear escolas, cadeados nos portões e quejandos. Manobras dilatórias que não dignificam a classe nem, sobretudo, lhe asseguram qualquer ganho real, antes aumentam a confusão, a barafunda, o caos nas escolas -- e quem sofre com a degradação da imagem do professor, quem é?
Haverá recursos judiciais interpostos por sindicatos, associações de pais, professores. Mas enquanto decorrerem, e vem aí Agosto, chega o novo ano lectivo, o pavor dos horários zero, as colocações para alguns, a terrível mobilidade para outros, o desemprego para muitos. Quem então tiver horário, respirará de alívio; quem o tiver perdido, terá pouca capacidade de intervenção útil, pouco mais podendo fazer do que descarregar a cólera em insultos nos blogues ou em recepções aos governantes.
Que fazer, pergunto, perguntarão os colegas que, furiosos, me tenham lido até aqui, repetindo a pergunta leninista?
Receio que nada do que façam altere a situação. Esta batalha, que os sindicatos tornaram decisiva, parece-me perdida -- e como gostaria de estar enganado!
Por isso, se tivéssemos dirigentes sindicais à altura da classe, estariam agora a estudar meticulosamente todas as possibilidades de derrota, para, recuando onde puderem, avançando onde for possível, minimizarem as perdas, ou construírem a vitória possível.
Com estratégia evidente, em vez de palavreado oco.
4 comentários:
Ante a angústia de um provável desemprego de alguém que me é bem próximo - e que se dedica por vocação ao magistério - relembro a ideia de Salazar relativamente a este país. Que ele, portugal, não poderia, em tempo, suportar os habituais luxos das economias desenvolvidas. Não me revejo em políticas de direita, bem pelo contrário, mas, hoje, é bom de ver que o Prof. Oliveira tinha uma certa razão. Engordaram-se as vacas, chulou-se a res publica, prostituíram-se muitos...Para a minha geração, deixou de haver leite nas tetas.
Abraço
Caro anónimo,
No tempo de Salazar é que não havia, seguramente, "leite nas tetas" para a sua geração, nem para qualquer outra. Morreu tinha eu 16 anos, e afora anedotas e uma ou outra frase sentenciosa que se lhe atribuía, como o célebre "beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses", pouco conhecimento directo tive dele, que vivia isolado do povo e, para o fim, do país e do Mundo -- era o tempo do "orgulhosamente sós".
Quanto à governação, o país parecia conformado, no seu fatalismo secular: "Que se há-de fazer, outro que venha faz igual ou pior..."
Mas a vida era então duríssima. Não imagino os jovens de hoje, não me vejo a mim mesmo, a viver como naqueles tempos. E nem culpo Salazar por isso. Faltavam as coisas básicas que temos hoje: casa minimamente confortável, casa de banho, esgotos, água potável e canalizada, escolaridade, assistência médica, meios de socorro... Outras, surgiram paulatinamente no final da sua governação: electrificação, papel higiénico...
Só para lhe dar uma pálida ideia do que era a vida naquele empo, imagine-se a ir à fonte se queria água para beber ou lavar-se, a limpar o cu a folha de couve ou a ervas. E as lombrigas!
Com o respeito que sempre tive pelo inimigo, especialmente quando o inimigo é de respeito, resumo assim o que penso de Salazar: foi um homem do seu tempo, e esse tempo, felizmente, acabou.
Um abraço.
Ortega y Gasset, sobre os portugueses de salazar, terá dito que se tratava de "dez milhões de moribundos". É bem sabido que in illo tempore o Estado não era o que, desde 74 até finais da década de 90, foi... Um verdadeiro fazedor de Elefantes Brancos, de onde muitos puderam, literalmente, mamar, enquanto outros tantos foram - continuando a sê-lo, ainda hoje - mamados. Portanto, tenho consciência de que o portugal de salazar foi o que, encandeando com luz refulgente os olhos da maioria, populaça votada à pobreza intelectual, à ausência das letras e dos livros, à subtracção do esclarecimento, ao trabalho de braço, ao folclore das grandes obras e ao lazer de taberna, tolheu as possibilidades de cidadãs e contribuintes, como a minha mãe, pudessem estudar em momento adequado a ciência a que gostariam de se propor. Para as urtigas com o Estado Novo mais as actuais apologias que brotam de cabeças reaccionárias e caducas. O leite das tetas a que me referia veio depois de salazar, veio com a UE e os fundos, com a inexistência de comissões para fiscalizarem os seus destinos, com multiplicação do aparelho de Estado, com a exorbitância das contas públicas, com os lugares propositadamente fabricados nas Câmaras, Institutos e Ministérios para os "badamecos" de aldeia e da cidade que engrossam as fileiras do funcionário inútil, descartável e pouco assíduo. Eram essas as tetas de que falava. Mas também não eram essas de onde queria mamar. O que pretendia, isso sim, é que o dinheiro que patrocinou o leite que correu dentro delas chegasse para os que, na verdade, pretendem exercer um direito, afinal de contas, consagrado na Constituição. O de trabalhar.
Por nabice, no comentário anterior fui como anónimo. Falso, não quero sê-lo. João Andrade
Abraço
João Andrade:
Concordo. O direito ao trabalho é fundamental. E é esse direito que os liberais (ou lá o que são)negam em Portugal e por todo o mundo. Precisam das pessoas enquanto consumidoras, mas querem-nas dispensar enquanto produtoras.
Creio não errar muito ao dizer que todas as recentes revoluções, como as primaveras árabes, tiveram na sua génese a frustração e o desespero de milhões de jovens que se vêem condenados a desemprego perpétuo.
O actual estado de coisas, digo e repito, não é sustentável por muito tempo.
Um abraço.
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