Proponho como actividade de domingo uma leitura crítica da descrição do deserto que se segue. Depois, podem confrontar os vossos pareceres com os de Rodrigues Lapa, também transcritos.
"Noite encantadora! O luar banha com os seus raios argentinos o areal desértico e imenso. Tudo brilha e refulge sob a claridade branda e suave da Lua. As estrelas, como milhões de pirilampos, estão disseminadas pela quietude misteriosa do firmamento. E no silêncio sepulcral do deserto, apenas cortado pela brisa rumorejante e dolente dos oásis, tudo parece contemplar o céu, meditando no enigma do infinito. Algumas poucas árvores frondosas erguem as copas altaneiras, como que orando a Deus pela solidão atroz que as envolve. Naquela noite alguém lhes faz companhia. É uma caravana. As tendas espalham-se pelo oásis, sob a abóbada das ramagens. Tudo parece dormir. Somente a Lua é cada vez mais brilhante e mais bela, fazendo da areia do deserto um manto branco de virgem a perder de vista nos horizontes longínquos".
"Tudo neste texto soa a falso — a falsidade das coisas que não são vistas nem sentidas directamente por nós. Os clichés são em número infinito, como as areias daquele deserto postiço: noite encantadora — o luar banha — raios argentinos — areal imenso — claridade branda da Lua — silêncio sepulcral — brisa rumorejante — contemplar o céu — meditar no enigma do infinito — árvores frondosas a erguer as copas — solidão atroz que as envolve — manto branco de virgem — horizontes longínquos.
Uma série de locuções estafadas, de imagens corriqueiras, que, por isso mesmo, nos não produzem a menor impressão artística. A gente sorri-se do inexperiente autor, que procurou fazer estilo, seguindo precisamente o caminho contrário: não nos pôde dar os resultados da sua própria experiência, por não tê-la, e reproduziu apenas o que anda na boca ou nos bicos da pena de toda a gente. O efeito foi desastroso."
M. Rodrigues Lapa. (1984). Estilística da Língua Portuguesa, 11ª ed., Coimbra Editora, Lda., pp. 90-91
Sem comentários:
Enviar um comentário