No conto O Largo, de Manuel da Fonseca, um bêbedo vê destruída a história que conta empolgado -- por um pormenor. Dizia ele que tinha derrubado com soco um carteirista no (Largo do) Rossio, em Lisboa, e o homem bateu com a cabeça num eucalipto...
Com o progresso, tantos são os eucaliptos que por aí brotam que já houve quem falasse de "Portucaliptal". Pior, são apresentados tão assertivamente, mas defendidos com tal versatilidade, que tornam impossível qualquer debate sério. Por exemplo, numa discussão sobre poesia:
-- Como disse Einstein, tudo é relativo...
-- Mas Einstein não disse nada disso!
Vendo periclitar a imagem que laboriosamente constrói de si mesmo, o nosso interlocutor pode reagir de várias formas:
(1) -- Se Einstein não disse, podia ter dito!
(2) -- E que diferença faz, se estamos a discutir a interpretação do poema?
(3) -- Lá estás tu com a mania de que sabes tudo, nem sei porque é que ainda te dou confiança!
(4) Põe sorriso superior, ignora-nos, talvez dirigindo-se a adulador que oportunamente surgiu.
Duma coisa não tenhamos dúvidas: salva sempre a face, como se tal fosse mais importante do que a correcção da afirmação; e jamais lhe faltarão apoios, que o rigor incomoda muito no nosso Portucaliptal.
Suponho que esta atitude -- generalizada, transversal, endémica --, se deve ao predomínio secular das Letras sobre as Ciências, com a consequente sobrevalorização da argumentação e dos seus artifícios em detrimento dos factos.
Mas, como praga, os danados dos pormenores insistem em saltar à vista, como no conto de Manuel da Fonseca, expondo a olhares atentos o rabo de palha -- que o sábio prontamente tapará ao ser alertado, não com humilde agradecimento pela correcção, mas com palavreado e tretas.
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