À tardinha, a cidade coloria-se com o verde das fardas quando os soldados que não estavam de serviço nem castigados tinham "passaporte" para sair — só quem fez a tropa naqueles anos pode compreende a ânsia, igual talvez à do presidiário, de sair um pouco do quartel e esquecer por umas breves horas o serviço militar obrigatório.
Eu tinha uns dezasseis anos, frequentava o último ano do curso comercial e o meu companheiro, trajado à civil, contava-me orgulhoso a sua tropa, a querer impressionar-me, desejoso de conseguir a minha admiração, mostrar-me que era o senhor alferes e não o estudante tímido, discreto, educado, simpático, que terminara o liceu no ano anterior. Ao passarmos por pequeno grupo de recrutas agarrados aos apontamentos, a marrarem para não acabarem atiradores nas matas da Guiné, provoca-os:
— Estou farto destes gajos! É só feijão verde!
A injustiça sempre me repugnou. Puxei-o pelo braço, a tentar afastá-lo, mudar de conversa. Sem sucesso. Ele insistia nas provocações.
— Muito estudam estes caralhos!
Um soldado resmunga protesto entre dentes.
E ele inchado como sapo: — O quê? Você sabe com quem está a falar? E puxava da carteira, a identificar-se como oficial da odiada Polícia Militar, para me mostrar o seu poderio, a sua capacidade de humilhar, de obrigar o pobre soldado a rebaixar-se.
Afastei-me enojado. E nunca mais lhe falei.
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