Estávamos em 1973 e eu era servente de pedreiro em Leiria. Naquele momento estava a dar serventia a dois estucadores, um velho, pelos meus padrões da época, outro um jovem da Prisão-Escola, que por bom comportamento estava autorizado a trabalhar fora. Tudo corria bem até que entrou o encarregado. O jovem presidiário, como se tivesse o diabo no corpo, deu em atirar loucamente massa para o tecto, alisá-la velozmente, máquina de estucar de 20 anos a querer impressionar o encarregado. O "velho" continuou no seu ritmo, sempre certo, calmo. E o encarregado, que fora carpinteiro antes de passar a costa direita:
-- Ó F, está a ver como é que se faz? -- apontando o bom exemplo, encarcerado por assalto violento à mão armada a casal de octogenários.
O estucador zangou-se. O que contava era o trabalho feito no final do dia, quantidade, mas sobretudo qualidade. O encarregado enfureceu-se, a conversa subiu de tom, ambos exaltados, enquanto o jovem presidiário, com a força da idade, estucava como se com ele nada fosse.
E o mais velho: -- O quê? Então é isso? A chaminé ainda fuma e a despensa tem batatas.
Arrumou a trouxa e foi-se embora, naquele tempo em que não havia subsídio de desemprego.
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