Levanto-me pela fresca, mais cedo do que o habitual. Quero regar os pessegueiros e as laranjeiras do Casal. Primeiro vou ao Vale da Junqueira buscar motor de rega, chupador, mangueiras. Imediatamente me apercebo de que os coelhos furaram por baixo da vedação de rede que defende o feijoal. Ao todo, oito buracos, que tapo o melhor que consigo. Daqui para a frente vai ser a velha guerra, eu a defender a sementeira, eles a procurarem forma de a destruir. Ou cavando túneis, como os presidiários de antigamente, ou saltando por cima. Ainda passo pelas Sesmarias, a avaliar os estragos nocturnos causados pelos javalis no milheiral. Uma dor de alma.
Chego ao Casal por volta das nove horas. Faço caldeiras, estendo as mangueiras, ferro o chupador, consigo pôr o motor a trabalhar. Quem não se entender com a mecânica, por pouco que seja, fará melhor em se dedicar a outra actividade. À balnear, por exemplo. O motor finalmente pega, mas a água não corre nas mangueiras. Páro-o, volto a atestar chupador e bomba de água. O mesmo. Repito vez após vez. Retiro o chupador do poço, verifico a válvula, repito. Não puxa água. Repito e repito. Até que ela jorra. Arrasto a mangueira de árvore em árvore, atenuando a sede de que sofrem. Obra de caridade, esta de dar de beber a quem tem sede. Ou à planta sequiosa, vivente como nós, sem voz embora para exigir os seus direitos.
Jorra a água, fresquinha, prontamente desaparece na caldeira seca, onde também tomba o suor que me escorre em bica da testa, turva os óculos, queima os olhos. Lá para as onze termino. No regresso, acelero o tractor para sentir a brisa fresca na face, afrouxo nas sombras. Coisas boas da vida, uma brisa em dia de calor, uma sombra fresca de onde não apetece sair — mas outros afazeres me esperam. Engatar a charrua e tentar lavrar, mesmo sabendo que a terra está seca, calcada, quase impenetrável. Com esforço meu e do tractor lá consigo mexer pequena leira para o meu sobrinho começar horta. Há que estimular os jovens, talvez tomem o gosto, nos sucedam nos amanhos, no combate ao mato e aos silvados, no prazer com que comemos e damos aquilo que produzimos: neste início de Agosto, pêssegos como os de antigamente, pêras piramidais como as de Camões, abrunhos, pepinos, feijão verde, courgettes — o Verão é estação de abundância.
Termino por volta das duas da tarde. Duche frio, que regalo, à moda de Carlos da Maia, que mesmo prolongado não é suficiente para me arrefecer. O termómetro marca 32 graus, ainda vai subir até aos 35. Almoço, sesta, regresso ao Entroncamento pela estrada que há 40 anos me leva e traz da aldeia. Esperam-me 38 graus, plantas desmaiadas com sede, criação a precisar de cuidados.
Para o jantar, grelho na chapa hambúrgueres, acompanhamo-los com pão torrado, pepino, pêssegos e pêras. No banco de jardim das traseiras da casa faço companhia ao cão. Excepcionalmente ponho gelo no uísque. E um bom café, Nespresso oblige.
Estão ainda 32 graus. Lá mais para diante, talvez a temperatura desça e possa abrir as janelas. Mas só quando estiver mais fresco fora que dentro.
Chega até mim a música pimba que inevitavelmente traz o Verão. Sempre os peitos da cabritinha. Pelo tecto do terraço, osgas caçam. Curiosamente, nos Montes, como em geral no Oeste, não há osgas. Não me incomodam: os inimigos dos meus inimigos meus amigos são.
Pressinto que vai ser outra noite mal dormida, novamente incomodado com o suor que me correrá pelo pescoço. Coisa de campónio, isto de suar. Gente fina transpira. E pouco, para não manchar a gravata.
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