Mais para a noite, já com a sala de refeições limpa e
arrumada, a loiça lavada e a cozinha em ordem para a lida da madrugada
seguinte, o João e a Berta poderão namorar um pouco, na sala, nada de
poucas-vergonhas, chegam as que já fizeram, pensa a patroa, momentaneamente
esquecida das suas enquanto jovem... Sentados em frente um ao outro, conversam
em voz baixa, mas quando do hall que serve de recepção e de escritório chega o
tilintar das moedas retiradas da caixa registadora, se ouve o ranger de
ferrolhos que trancam portas e janelas, certos de que os donos da pensão estão
ocupados e afastados, perdem compostura e atiram-se desesperadamente um ao
outro, ardendo ambos no fogo do desejo, as bocas coladas, a Berta de olhos
fechados, os do João arregalados, e as mãos dele, talvez por estarem
desocupadas e quererem também elas participar, tacteiam em vão procurando
abertura para a pele dos seios da Berta, e ela, receando ser apanhada
descomposta, afasta-lhas, mas teimosas, insidiosas, porfiam por cima da roupa,
talvez para confirmarem se ainda se ajustam perfeitamente, feitas umas para as
outras, dissera a Berta naquela noite de Julho já tão distante... Ah, mas tendo
as mãos encontrado passagem e posto a nu um seio, a boca toma a dianteira,
ardorosamente, apaixonadamente, já a Berta ruge, novamente em surdina, e tem de
o afastar a contragosto — uma mulher como ela não é de ferro, e certas coisas
são como o vinho, se não é para fazer efeito mais vale afastar o cálice...
Ouvem porta que bate ao fechar, saltos altos martelam no
corredor, advertências inequívocas de que lá vem a patroa, ruidosa para evitar
surpresas, para não ver o que não quer — então teria de dizer o que é seu dever
mas não seu prazer — e encontra-os decentemente sentados frente a frente,
apenas as mãos enlaçadas mostram que se trata de um par de namorados,
respeitável, constata com satisfação dona Noémia, que não admite poucas
vergonhas em casa sua, embora no seu íntimo saiba que rapaz tão bem comportado,
se existe, não servirá nunca para mulher que se preze — há que guardar as
aparências, mas não as ilusões. Chega o marido, boceja, são horas de deitar,
amanhã, domingo, será dia de trabalho como os outros, sete dias tem a semana,
cada qual de labuta, só o Senhor, porque é Deus Todo-Poderoso, pôde descansar
num deles...
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