"Escurecia rapidamente. Dos arbustos ao fundo do jardim
chegou o arfar de amantes escondidos e ouviu-se distintamente pergunta augada: —
Agora tu deixavas!
— Deixava!, rosnou ela, e talvez ali tenha sido gerado outro
ser vivente, que virá ao mundo pela mesma razão que todos nós viemos: porque
calhou, como há milhões de anos calha de cada vez que a Vida decide que um
único espermatozóide entre milhões de iguais penetrará num óvulo, simplesmente
isso, aquele girino que jamais ouviu falar de amor, de moral, que não
compreende metáforas, nem filosofias, nem teorias científicas explicativas do
seu comportamento, nada cego rumo a um destino que apenas pressente, querendo
ser o primeiro e o único, alcançá-lo-á, vá-se lá saber como, a Vida perpetua-se
e a morte inelutável do Ser é outra vez adiada.
— Vamos embora daqui, disse a Berta, talvez por ser já noite
e o ar estar gelado, talvez incomodada com os gemidos de outro amor inventado
agora mesmo e ali ao lado, que tanto pode ser esquecido já daqui a minutos
quando a coisa murchar, como durar até que a morte os separe, fortalecendo-se
com a passagem das décadas, crescendo em ternura o que diminuirá em desejo... A
ver vamos, que é matéria incerta."
Um Amor Inventado -- romance motivado por poema que marcou a minha juventude: A Invenção do Amor, de Daniel Filipe. À venda na Leya Online)
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