Não concordo com o lugar-comum romântico segundo o qual os artistas e, nomeadamente, os melhores artistas, são criaturas amarguradas, ressabiadas, infelizes, e a tal devem a criatividade e o mérito. Por muito que tal possa consolar almas atormentadas, não faltam contra-exemplos: D. Dinis, um dos nossos melhores poetas, Fernão Lopes e Vieira, prosadores excelsos, Garrett, tão bom na prosa como na poesia, coisa raríssima, Herculano, Eça, Cesário, o próprio Pessoa, Saramago, Sophia... E se alargasse a lista à literatura estrangeira, às artes em geral, seria um nunca mais acabar de nomes de artistas notáveis que não consta terem sido especialmente infelizes. Quanto àqueles que se lamuriam, nem sempre a vida os tratou tão mal como dizem.
Importa, portanto, não confundir o cu com as calças: ser infeliz não é condição suficiente, nem sequer necessária, para a criação artística. Porque, Pessoa o disse, o poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente.
Aliás, sobre felicidade e infelicidade, nada como a (re)leitura de L'Étranger: do repetido "Je n'étais pas malheureux"... até ao final "où j'avais été heureux" (citações de memória).
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