Os anos ensinaram-me a desconfiar de voluntarismo e de boas intenções. Muitas vezes, a necessidade de agir, de intervir para mudar o rumo de uma realidade inconveniente tem o resultado oposto: perpetuar essa realidade e de forma mais penosa. Por exemplo, o combate à fome em África. Que tem matado a fome a muita gente, sobretudo fora desse continente, porque nele a fome parece ter-se perpetuado para proveito de muitos que abnegadamente ajudam a combatê-la; por exemplo, com as invasões do Afeganistão, do Iraque, da Líbia. Métodos de intervenção mais ponderados, menos mediáticos, menos agressivos teriam seguramente conseguido melhores resultados e menores danos.
Pois é o que me parece estar subjacente ao projecto de lei de cópia privada, que visa penalizar os consumidores para proveito dos "artistas". Não sei se os deputados terão a lucidez e a coragem necessárias para rejeitar projecto tão abstruso, proposto -- que surpresa! -- pela ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. Porque a cultura é uma vaca sagrada e dizer não ao projecto trará acusações piores do que a recusa de ajudar África: afinal, quem se atreve a tirar o pão da boca dos nossos artistas?
Só que -- e não me alongo sobre o carácter disparatado da lei -- os beneficiados podem ser outros:
"Porque a SPA, que pertence e preside à AGECOP (que é quem colecta e gere a taxa aplicada pela pl118 [a lei da cópia privada], tem um passivo de 5,8 milhões de euros e gastou 6,7 milhões em 2010 só com pessoal. Percebe-se então quem este projecto de lei pretende "ajudar". Não são os autores ou criadores, mas a própria SPA."
André Rosa, "A 5ª Coluna", in PC Guia nº 193, Fev. 2012
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