Como a cobra que sai do torpor invernal despertada pelo calor, não tanto para procurar alimento, antes para se aquecer ao Sol entre ervas secas, e vagamente se apercebe da proximidade de presas, assim também nos olhos do Jaime cintila um reflexo de vida: sabe, sente, que é o tempo da poda, e quase tem outra vez vontade de sorrir ao lembrar-se do provérbio Tempo da poda, tempo da foda, e das interpretações, uma apontando para a vida arrastada do camponês, outra para o renascer da seiva, nas plantas e nos corpos, natureza e humanos pulsando num mesmo frenesim reprodutivo.
(...)
Não, não são reflexões que lhe perpassam por detrás dos olhos, são imagens como as dos filmes que uma vez por outra cinemas ambulantes passam no barracão da Tia Elisa, projectadas num lençol que faz as vezes de ecrã, e as imagens que lhe enchem a retina são da vinha coberta de vegetação verdejante — margaças floridas, com o seu odor inconfundível, roxas candeias que cresceram entre elas, serralhas em flor — e, esvoaçando livres por cima, longas vides que a tesoura de poda atarraca em cliques sucessivos, deixando talões de três olhos e varas de seis, gemendo seiva dos sarmentos cortados, são as nuvens fugidias que vindas do mar correm pelo céu sabe-se lá para onde — como a sua vida.
Entre Cós e Alpedriz
FOTO: poda, sábado passado. O Vergílio e o Pedro na labuta.
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